1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW
Liberdade de imprensaGlobal

Julian Assange, um homem livre

25 de junho de 2024

Para uns um símbolo da imprensa livre, para outros um hacker que colocou vidas em risco, fundador do Wikileaks deixa a prisão em Londres. Odisseia jurídica do australiano se estendeu por quase uma década e meia.

https://p.dw.com/p/4hTlF
Julian Assange na porta de avião
Julian Assange chega a Bangkok em 25 de junho de 2024, após ser libertadoFoto: Wikileaks/PA Wire/dpa/picture alliance

O caso Assange se arrasta há 14 anos, tendo adquirido uma dimensão política e jurídica que vai muito além dos documentos secretos publicados em sua plataforma, Wikileaks. A seguir, um resumo de sua trajetória.

De hacker a jornalista premiado

Julian Assange nasceu em 3 de julho de 1971 em Townsville, Queensland, Austrália. Cedo ele se interessou por informática e aprendeu a programar. Nos anos 90, fez nome no meio dos hackers australianos, e em 1996 foi processado por cometer ciberataques. O juiz o condenou, porém lhe atestando "curiosidade intelectual".

Em 2006, fundou a plataforma online Wikileaks, que em seu website se define como "Wiki incensurável para publicação e análise em massa de documentos, sem que sua origem seja identificável": "Nosso objetivo principal é expor regimes opressivos na Ásia, antiga União Soviética, África Subsaariana e Oriente Médio, mas também contamos ser uma ferramenta útil a quem, em qualquer parte do mundo, deseje revelar comportamento antiético em seus governos e empresas."

E, de fato, o Wikileaks revelou numerosos documentos denunciando atividades ilegais de governos e empresas. Em 2009, Assange recebeu o Amnesty International Media Award por seu trabalho, e a ele seguiram-se diversos outros prêmios.

"Assassinato colateral"

Em abril de 2010, o Wikileaks publicou um vídeo intitulado Collateral murder (Assassinato colateral). A tomada é a partir de um helicóptero de combate das Forças Armadas dos Estados Unidos, em Bagdá, em 2007, durante a guerra no Iraque. Vê-se civis sendo circundados e por fim alvejados a partir do veículo. Entre as vítimas estão dois jornalistas da agência de notícias Reuters. Os soldados haviam confundido com uma arma a câmera que um deles levava consigo.

Além desse vídeo, a plataforma de revelações divulgou no mesmo ano centenas de milhares de documentos militares secretos, relativos às guerras no Iraque e no Afeganistão. Como afirmou Assange numa entrevista à imprensa em Londres, eles provam "claros crimes de guerra".

Whistleblower das Forças Armadas dos EUA Chelsea Manning
Chelsea Manning foi acusada de espionagem junto com Julian AssangeFoto: Dirk WaemM/BELGA MAG/dpa/picture alliance

A fonte era Chelsea Manning, que, na época, ainda Bradley, de sexo masculino, trabalhava como analista de dados das Forças Armadas americanas. Mais tarde ela foi condenada a 35 anos de prisão por espionagem e traição, mas perdoada pelo presidente Barack Obama, então em fim de mandato.

As revelações são extremamente incômodas para o governo americano, pois mostraram ao mundo um lado sangrento do procedimento de seus militares, em que crimes de guerra são acobertados, e o número de vitimas civis é muito maior do que nos dados maquiados do Pentágono.

Washington criticou Assange com rigor: como chefe do Wikileaks, ele teria posto vidas em perigo ao revelar segredos de Estado. De fato: inicialmente os documentos não estavam anonimizados. Na época vice-presidente, Joe Biden o classifica como "terrorista high tech".

À parte as críticas, de início nada acontece. Assange é um cidadão australiano, mora em Londres e conquistara o status de jornalista investigativo. Aparentemente o governo Obama era da opinião que uma persecução judicial poderia ser entendida como um sinal de que também jornalistas de outros meios poderiam ser processados por divulgar informações sensíveis.

Julian Assange se pronuncia a partir da sacada da embaixada do Equador em Londres, em maio de 2017
Assange se pronuncia a partir da sacada da embaixada do Equador em Londres, em maio de 2017Foto: Matt Dunham/AP Photo/picture alliance

Acusações de delitos sexuais

Paralelamente às ocorrências relativas ao Wikileaks, vem à tona que duas suecas acusaram Assange de as molestar sexualmente. Mais tarde a acusação passa a ser de estupro. O Ministério Público de Estocolmo expede um mandado de prisão e exige a extradição do Reino Unido. Em 2010, Assange é preso em Londres, mas nega as imputações e é liberado sob fiança.

Começa um cabo-de-guerra político. Quando, em 2012, a Suprema Corte do Reino Unido, em Londres, defere o pedido de extradição para a Suécia, Assange se refugia na embaixada do Equador, onde obtém asilo político.

Em 2015 as autoridades suecas abandonam o inquérito, pois as acusações haviam se reduzido a assédio e coerção sexual e haviam prescrito. Ainda assim, o jornalista australiano permanece na embaixada, tendo adquirido a cidadania equatoriana.

Protesto em Londres contra deportação de Julian Assange para EUA
Ameaça de extradição para os EUA provocou protestos diante da Suprema Corte, em LondresFoto: Kin Cheung/AP Photo/picture alliance

Liberdade de imprensa sob ameaça

Em junho de 2016, durante a campanha presidencial de Hillary Clinton e Donald Trump, os "Clinton e-mails" apareceram no Wikileaks, revelando que, durante o mandato de secretária de Estado, ela utilizara um servidor privado para comunicações oficiais, em vez das contas do Departamento de Estado. O caso é considerado um dos motivos por que a candidata democrata perdeu para Trump.

Embora o novo presidente republicano elogiasse a plataforma por suas revelações, o Departamento retoma o inquérito de 2010 contra Assange, acusando-o de conspiração, junto com Chelsea Manning, para hackear computadores do Pentágono. Além disso, há 17 outras acusações envolvendo espionagem e quebra de sigilo.

Ao todo, Assange estava ameaçado com uma pena de até 175 anos de prisão. Os EUA solicitaram ao Reino Unido sua extradição, ao mesmo tempo que tentaram anular o status de jornalista do australiano: como divulgara grandes volumes de dados sem contextualizar, ele não passaria de um hacker.

Organizações conceituadas de direitos humanos, civis e de jornalismo, desde a Anistia Internacional à Repórteres Sem Fronteiras, passando pelo Committee to Protect Journalists (CPJ), se engajam por Assange, argumentando que uma democracia viva deve poder resistir a revelações como as do Wikileaks.

Em declaração conjunta, a Federation of Journalists (IFJ) e a European Federation of Journalists (EFJ) advertem que essa persecução ameaça a liberdade de imprensa em todo o mundo. A presidente da EFJ, Maja Sever, comenta: "Jornalistas e seus sindicatos reconheceram, desde o princípio, que Julian Assange havia entrado na mira por cumprir tarefas que fazem parte do trabalho diário de muitos jornalistas: encontrar um whistleblower e desvendar criminalidade."

Julian Assange olha para fora da janela de avião
Após 14 anos de cabo-de-guerra, Assange pode finalmente retornar à AustráliaFoto: Wikileaks/AAP/IMAGO

Prisão e libertação

Em 2019, Quito retirou o asilo político e a cidadania equatoriana de Assange e o entregou à polícia britânica. As autoridades britânicas o acusaram de ter violado os termos de fiança ao fugir para a embaixada, sentenciando-o a 50 semanas de prisão no presídio de alta segurança de Belmarsh.

Começou um novo cabo-de-guerra pela extradição do jornalista, desta vez para os EUA, combatido repetidamente com argumentos jurídicos. Em 2024, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos parecia ser sua última chance.

Em 24 de junho, após cinco anos preso em Londres, Julian Assange, agora com 52 anos, foi surpreendentemente libertado. Ele fechara um acordo com a Justiça americana: perante um tribunal das Ilhas Marianas do Norte, um território americano não incorporado no Oceano Pacífico, vai se declarar em parte culpado, sendo condenado aos cinco anos que já cumprira na Inglaterra. Em troca, ficará livre de outras penas e poderá retornar a seu país natal, Austrália.