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Super-heróis no cinema

Carlos Albuquerque21 de julho de 2008

Já há alguns anos, super-heróis festejam sua volta às salas de cinema. Mais humanos e menos heróis, suas aventuras ocupam os primeiros lugares nos rankings de filmes mais vistos. Sinais dos tempos, afirma imprensa alemã.

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Heath Ledger como Coringa: bandido menos estereotipado?Foto: AP

Tudo começou com o fracasso de Batman & Robin, em 1997, afirmou o diário alemão Süddeutsche Zeitung (SZ), acrescendo que quem mais aprendeu com este fracasso foi o próprio roteirista Akiva Goldsman, produtor de um dos maiores sucessos de bilheteria deste verão setentrional – Hancock, o super-herói alcoólatra interpretado por Will Smith.

"Perdemos a crença em super-heróis. Acreditamos agora em heróis mais humanos", explicou Goldsman no SZ. Segundo o jornal, os super-heróis do mundo após 11 de setembro seriam mais atormentados que seus antecessores, preocupados com sentimentos incontrolados e, mais do que nunca, com seu destino.

Batman, Hancock, Hulk, Hellboy, Indiana Jones – nunca tantos super-heróis em rankings dos filmes foram vistos numa só temporada, na Europa como nos EUA. "Não é coincidência que tais películas venham justamente dos Estados Unidos. A idéia do herói angustiado, que enfrenta dificuldades mas atinge a redenção, espelha muito bem como muitos de nós vêem hoje nosso país", disse Goldsman.

Escapismo também é um sistema adaptável

Film Review Hancock
Will Smith (d) em 'Hancock': super-herói alcoólatraFoto: AP

Segundo o SZ, o produtor de Hancock foi um dos primeiros a perceber que o escapismo do século 21 teria de ser disfarçado de forma mais apurada. O começo, no entanto, foi feito pelo diretor Sam Raimi em Spiderman (2002). Raimi teria apoiado seu herói na figura de um jovem inseguro e pouco atraente, com sentimentos verdadeiros e preocupações reais. Desde então, em vez de músculos, heróis angustiados começaram a formar uma nova liga de protagonistas.

Entre estes, o SZ cita a perfomance de Christian Bale como protagonista de Batman; Robert Downey Jr. como Homem de Ferro e Edward Norton como o novo Hulk. As fronteiras entre super-heróis com habilidades especiais e cidadãos normais com capacidades extraordinárias adaptadas às dificuldades da vida tornaram-se mais flexíveis.

Mas os Estados Unidos não seriam os Estados Unidos se não soubessem que o escapismo também é um sistema adaptável, explicou o produtor Goldsman no SZ: "Os Estados Unidos não são mais aquilo que eram, mas isto não quer dizer que eles não podem voltar novamente a sê-lo".

Inspiração para escritores, artistas e designers

Film Review The Incredible Hulk
Entre favelas brasileiras e paisagens americanas, novo Hulk se preocupa com o destinoFoto: AP

O semanário Die Zeit também achou que os super-heróis desta temporada não conhecem a saída para as catástrofes do nosso mundo, mas eles, aos poucos, aprendem a conviver com elas. Outro fenômeno interessante observado pelo semanário foi sua transformação em figura de inspiração para escritores, artistas e designers. Superman, por exemplo, é uma constante no trabalho do artista americano Mike Kelley, um dos mais consagrados da atualidade.

Seus fãs já não são mais os adolescentes de outrora. Eles são agora hype e, desde o começo deste verão europeu, uma enxurrada de super-heróis invadiu as telas de cinema. Citando o ensaio escrito pelo romancista Michael Chabon para a revista New Yorker sobre o tema, o Die Zeit afirmou que existe algo de misterioso na existência dupla dos super-heróis que os faz tão interessantes no momento atual – como uma forma de travesti, uma história de transformação.

Não funciona mais a explicação de que os super-heróis nasceram de um desejo coletivo de tornar as coisas mais fáceis num mundo antes ameaçado por ditadores como Hitler ou Stalin e, hoje, por terrorismo e catástrofes ecológicas. O super-herói mutável e adaptável não mais representa o princípio da segurança, mas, pelo contrário, reflete a insegurança generalizada, explicou o Die Zeit.

Este momento de mudança se reflete nos novos super-heróis do cinema. No lugar do isolamento de Superman, a futura trupe de super-heróis será bastante compatível socialmente – um passo a caminho da normalidade, afirmou o semanário.

Síndrome esquizofrênica do super-herói

Heath Ledger, Christian Bale in Batman
Batman e Coringa se completamFoto: AP

Recentemente, no entanto, não somente heróis norte-americanos aparecem mais humanos nos cinemas. Em vez de licença para matar, o agente britânico 007 interpretado por Daniel Craig em Cassino Royale teve "licença para ser gente", como afirmou a mídia alemã.

Comentando o filme Dainipponjin (2007), do japonês Hitoshi Matsumoto, o diário Tageszeitung (taz) berlinense afirmou que Matsumoto teria feito do mito do super-herói um pseudodocumentário tragicômico que trata do problema dos dois corpos e assim das duas realidades da síndrome esquizofrênica do super-herói. Da diferença entre a imagem do herói e a realidade nasce o argumento do filme, disse o taz.

O que vale para o super-herói valeria também para o bandido?

Batman – O Cavaleiro das Trevas estreou na semana passada nos EUA onde vem batendo todos os recordes de bilheteria. No entanto, a grande surpresa do filme ficou por conta da atuação do ator australiano Heath Ledger no papel do arquiinimigo Coringa.

Apesar de o diário Thüringer-Allgemeine afirmar que a morte do ator australiano, em janeiro último, foi o principal fator de promoção do atual Batman, Ledger atua aqui com uma liberdade e uma desinibição nunca antes vistas, comentou o jornal SZ.

Neste papel, Heath Ledger choca e fascina. Mais do que nunca, bandido e mocinho se completam. Sem Batman, o Coringa não seria nada, mas o papel do morcego cresce de forma violenta através de seu opositor, afirmou o Süddeutsche Zeitung.

O que vale para o super-herói valeria também para o bandido? Se for o caso, não foi somente a morte do jovem ator australiano o principal fator de sucesso de Batman. Sua atuação como Coringa menos estereotipado contribuiu decididamente para o sucesso da sua última película.