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HistóriaEuropa

Horário de verão: uma herança alemã da Primeira Guerra

15 de setembro de 2024

Reintrodução da medida no Brasil vem sendo debatida pelo governo Lula. Hábito de adiantar o relógio fez sua estreia mundial na Alemanha em 1916. Medida é impopular na Europa, mas não há consenso sobre como acabar com ela

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Relógio da União Europeia
Horário de verão vem sendo adotado de forma constante na Alemanha desde 1980, mas sua estreia ocorreu em 1916Foto: Sebastian Kahnert/dpa/picture-alliance

É uma discussão que todo ano reaparece na Alemanha. Nas semanas que antecedem o início do horário de verão, jornais publicam reportagens questionando a utilidade da medida, médicos apontam supostos malefícios à saúde, defensores e adversários expõem suas posições. Neste ano, o horário de verão na Alemanha teve início em 31 de março e deve vigorar até 27 de outubro.

No Brasil, tais discussões anuais sobre a eficácia e supostos malefícios da medida eram comuns até 2019, até que o horário de verão foi extinto durante o primeiro ano do governo Jair Bolsonaro.

Agora, em meio à severa seca que atinge o país, o governo Lula está debatendo a volta do horário de verão para economizar energia e compensar a baixa dos reservatórios das usinas hidrelétricas.

Se seguir esse caminho, o Brasil estará indo na contramão de boa parte do mundo.

Nos últimos anos, foi mais corriqueiro que nações abandonassem a medida, que fez sua estreia mundial na Alemanha em 1916.

Hoje, no Hemisfério Sul, apenas o Chile, Paraguai, Nova Zelândia, Fiji e partes da Austrália continuam persistindo no horário de verão. Já no Hemisfério Norte, o abandono tem sido mais comum, com países como Rússia, Armênia, Turquia e Belarus extinguindo a troca anual de horário nos anos 2010.

E, em nações da Europa e da América do Norte onde a troca ainda persiste, a medida normalmente é apontada como impopular em pesquisas, embora não haja consenso sobre como ela pode ser extinta.

Pioneirismo alemão no horário de verão

A atual versão do horário de verão alemão ("Sommerzeit") passou a valer na Alemanha em 1980, mas o país já havia experimentado adiantar os relógios na primavera de 1916, sendo pioneiro no mundo. A argumentação para colocar a medida em prática seria mais tarde repetida em dezenas de países: economizar energia.

No início de 1916, o antigo Império Alemão estava envolvido na Primeira Guerra Mundial e sofria com um severo bloqueio naval imposto pelo Reino Unido, que resultou no corte das importações de petróleo e parafina (usada na fabricação de velas). A mudança nos relógios foi incluída pelo governo do imperador Guilherme 2º na lei de guerra, a exemplo da instituição de cartões de racionamento e confisco de suprimentos.

Numa época em que não havia televisão e o rádio ainda não havia se popularizado, coube aos jornais anunciar a mudança. Também foram distribuídos centenas de milhares de cartões-postais e folhetos explicando o novo horário. Muitas vezes as mensagens eram acompanhadas de exortações patrióticas. Um desses cartões mostrava a figura de Ares, o deus grego da guerra, falando a um grupo de crianças: "usem a luz do Sol!".

E a Alemanha também foi pioneira nas controvérsias em relação ao novo horário. Antes de ser colocado em prática, leitores expressaram em cartas aos jornais o temor de que o novo horário fosse um truque para explorar ainda mais a mão de obra nas fábricas, que já estavam a todo vapor por causa da guerra.

Soldados alemães na Primeira Guerra Mundial.
Soldados alemães na Primeira Guerra Mundial. Horário de verão foi imposto como forma de economizar energia em meio ao conflitoFoto: Getty Images

A introdução da medida

Os relógios foram finalmente adiantados às 23h de 30 de abril de 1916, um domingo, e assim ficaram até 1º de outubro. Segundo o antigo jornal Münchner Neuesten Nachrichten, vários relógios em igrejas e prédios públicos de Munique foram adiantados horas antes do prazo, o que levou a alguns desentendimentos.

Na segunda-feira, 1º de maio, alguns trabalhadores desatentos acabaram aparecendo uma hora mais cedo no serviço – a data ainda não era um feriado. Ainda segundo o jornal, grupos de estudantes reclamaram de ter que acordar uma hora mais cedo logo depois do fim de semana.

As discussões sobre o novo horário dominaram as páginas dos jornais, deixando em segundo plano acontecimentos dramáticos, como o fim da Revolta da Páscoa, conduzida por nacionalistas irlandeses em Dublin, e o fim do cerco da cidade de Kut, no Iraque. No mesmo dia, o antigo Império Austro-húngaro, aliado da Alemanha, seguiu o exemplo e adiantou os relógios. Logo depois, foi a vez da Romênia, da França, do Reino Unido e, mais tarde, dos EUA.

O governo alemão ainda determinou punições para empregadores que decidissem manipular os horários de trabalho, empurrando a jornada uma hora adiante como forma de burlar a medida.

Os efeitos logo foram sentidos. A cidade de Bremen, por exemplo, registrou economia de pelo menos 344 toneladas de carvão durante o período do horário de verão. Por outro lado, o consumo menor fez com que a cidade perdesse receitas provenientes de impostos, e a conta acabou tendo que ser paga pela população.

Segundo jornais da época, a maior parte da população acabou aceitando a medida, e alguns até vieram a simpatizar com ela por causa da possibilidade de aproveitar melhor o fim do dia. O experimento foi repetido em 1917 e 1918. Após o fim do conflito mundial, a lei extraordinária foi extinta – e com ela também o horário de verão.

A medida só reapareceu em 1940, pelas mãos do regime nazista, mais uma vez em um contexto de guerra. Após o fim do segundo conflito mundial, o horário de verão ainda persistiu nas diferentes zonas de ocupação da Alemanha, mas sem qualquer coordenação entre as diferentes administrações regionais. O setor de ocupação soviético de Berlim, por exemplo, tinha um horário de verão dois meses mais longo que o do restante da Alemanha.

Em 1950, os governos da Alemanha Ocidental e Oriental decidiram pela extinção do mecanismo. O horário de verão só voltou a ser usado nas duas Alemanhas em 1980, um ano depois do segundo choque do petróleo, provocado pela revolução islâmica no Irã, que reduziu a oferta de combustível no mundo. Depois desse episódio, o horário de verão virou um mecanismo permanente também na Alemanha reunificada e, mais tarde, na União Europeia.

Exposição sobre a história do horário de verão no Museu do Relógio em Wuppertal, na Alemanha
Exposição sobre a história do horário de verão no Museu do Relógio em Wuppertal, na AlemanhaFoto: picture alliance/dpa/P.Seeger

O que fazer com o horário de verão?

Nos últimos anos, o ato de adiantar os relógios vem perdendo apoio na Alemanha e na Europa. Uma enquete realizada pela Comissão Europeia em 2018 apontou que 84% dos entrevistados europeus não querem mais adiantar seus relógios. Na Alemanha, os números foram similares em outras pesquisas.

Na enquete europeia, os poloneses mostraram maior oposição à continuidade do horário de verão: 95%. No outro extremo, apenas 44% dos gregos exibiram oposição, mas eles são uma exceção no bloco, onde a contrariedade em relação ao ato de mudar os ponteiros é dominante.

A partir dos anos 1990, ficou mais difícil para a Alemanha e outros países europeus tomarem alguma iniciativa isolada e se livrar da medida, já que o calendário de horários dos Estados-membros da União Europeia é organizado de maneira unificada pelo bloco, sendo o horário de verão uma medida obrigatória.

No final dos anos 2010, o Parlamento Europeu chegou a aprovar uma resolução cobrando a Comissão Europeia a iniciar um processo de abandono do horário de verão em todo o bloco. Uma data limite chegou até mesmo a ser estabelecida: 2021. No entanto, nada aconteceu por causa da falta de um acordo sobre em qual horário o bloco deve ficar permanentemente.

Alguns países manifestaram preferência por ficar em um horário de verão eterno, ou seja, com uma hora adiantada permanentemente, a exemplo da Turquia, que seguiu esse caminho em 2016.

Já outros Estados-membros fizeram lobby para que o "horário de inverno" seja a regra permanente.

Essa divisão também ocorre até mesmo entre as populações. Uma pesquisa de 2024 mostrou que 43% dos alemães favorecem ficar sempre no horário de verão, enquanto outros 38% querem ficar no "inverno", enquanto 19% não souberam responder.

Há ainda questões políticas locais para uma mudança na UE. A Irlanda, por exemplo, se opõe a medidas que possam colocar o país em um horário diferente em relação à parte norte da ilha, que é território do Reino Unido e não é mais integrante da UE desde o Brexit.

Portanto, há consenso sobre acabar com horário de verão, mas não sobre o que fazer a seguir.