Feira do Livro
16 de outubro de 2011"Quem nos conta sobre o Brasil e o quê" foi o tema da mesa-redonda que encerrou a participação do Brasil na Feira do Livro de Frankfurt de 2011, que fechou suas portas neste domingo (16/10). Na tarde de sábado, aproveitando a abertura do evento ao grande público no fim de semana, os jovens autores Carola Saavedra e Marcelo Ferroni discutiram as tendências da literatura brasileira contemporânea.
Ao lado de Ferroni, que terá seu primeiro romance – Método Prático de Guerrilha (2010) – publicado na Alemanha em 2012, Carola Saavedra falou de sua obra, da escassez de livros brasileiros na Alemanha, atualmente, e de um aumento do interesse pela literatura do país, tendo em vista a presença do Brasil como homenageado da Feira de Frankfurt em 2013.
Após ter vivido por oito anos na Alemanha, a escritora e tradutora chileno-brasileira publicou seu primeiro romance – Toda terça – em 2007. Em 2011, aos 38 anos, Carola Saavedra é finalista do Prêmio Jabuti pela segunda vez, com Paisagem com dromedário.
A autora, que já publicou em Portugal e espera ter seus livros traduzidos para o alemão, foi ouvida com interesse por alemães e brasileiros, leigos e especializados, na tarde deste sábado. "O que ela escreve é uma literatura universal. São quase ensaios sobre amor, desamor, morte, escritos de um uma forma muito densa e inteligente", considera Michael Kegler, tradutor e mediador do debate.
Em entrevista à Deutsche Welle, Carola falou sobre a Feira do Livro, a carreira, a relação com a Alemanha e sobre a projeção da literatura brasileira.
Deutsche Welle: O que significa para um escritor ser convidado a participar de um evento como a maior feira do mercado editorial do mundo?
Carola Saavedra: Uma responsabilidade muito grande, porque você está representando, de certa forma, o seu país, os autores do seu país. Em segundo lugar, significa visibilidade. Porque a figura do autor, diferentemente de outros artistas, não aparece, ele é sempre um anônimo. Estar aqui dá a possibilidade de tornar-se uma pessoa real para os outros e também de falar sobre seus livros, de colocar suas ideias e pensar sobre a literatura brasileira.
Pode-se dizer que você está em um momento muito bom da sua carreira. Você recebeu o prêmio de melhor romance da Associação Paulista de Críticos de Arte, por Flores azuis, de 2008, o prêmio Raquel de Queiroz por seu último romance – Paisagem com dromedário, de 2010 –, que agora também a colocou entre os finalistas do Prêmio Jabuti pela segunda vez. O que isso representa para você e qual a expectativa com relação ao resultado do Jabuti, que será revelado em 18 de outubro?
Antes do Jabuti, o Paisagem com dromedário foi também finalista do Prêmio São Paulo de Literatura. É claro que todo prêmio é uma escolha de um grupo de pessoas. Mas estar entre os finalistas significa um reconhecimento como autora, como alguém interessada em pensar a literatura e não apenas em vender livros. Eu não teria nada contra um best-seller, mas não é o meu objetivo.
O meu objetivo é a qualidade literária. Concordo que este seja um ótimo momento da minha carreira, fruto de algo que não começou somente quando publiquei o meu primeiro romance – que foi o Toda terça, em 2007 –, mas de um trabalho de muitos anos. O escritor não surge do nada, como quem diz "não estava fazendo nada e resolvi escrever um romance". E necessária uma preparação longa.
E como você decidiu se aventurar na literatura?
Eu nunca quis ser outra coisa. Quando criança, era fascinada pelos livros, pela biblioteca do colégio. Quando me lembro da infância, às vezes, a memória mais forte é de trechos de livros, imagens, personagens de livros que li e não de coisas que vivi. Eu sempre quis ser escritora, mas tinha medo. Porque o escritor é alguém que se expõe intimamente. Quando se escreve um livro, por mais que não seja autobiográfico, aquilo é uma visão de mundo que surgiu de você.
Então, a crítica, apesar de necessária, é sempre dura. Tive medo de não conseguir escrever nada que fosse bom o suficiente. Vim para a Alemanha em 1998, morei oito anos aqui, mais um ano na França e outro na Espanha, me formando, lendo, com projetos megalomaníacos, de ler toda a literatura latino-americana, brasileira, alemã. Precisei amadurecer, também como pessoa, para assumir aquilo que eu queria ser.
Você nasceu no Chile, cresceu no Brasil, morou na Alemanha, na Espanha e na França. De que maneira isso influenciou a sua visão de mundo, a sua carreira? Você considera-se hoje uma cidadã do mundo?
Eu me considero uma escritora 100% brasileira. Tenho que usar a frase clichê "minha língua, minha pátria". Hoje, moro no Rio de Janeiro, um lugar que eu amo – é como um casamento, em que se ama apesar dos problemas –, é ali que me sinto em casa. Talvez eu possa dizer isso por ter vivido em outros países, visto várias culturas.
Por outro lado, se eu não tivesse tido essas vivências, eu não teria me tornado a escritora que me tornei. O morar fora tira alguém do próprio eixo. Você se desloca para o lado para olhar para si mesmo, para o seu país, para a sua cultura. E o escritor é alguém que faz isso, que sai do meio dos acontecimentos, dá um passo para o lado para observar e depois contar o que viu.
Apesar de você se dizer uma escritora 100% brasileira, nos seus livros, não há referências diretas ao Brasil, a sua literatura fala de temas universais. O Brasil está presente de alguma maneira nos seus livros?
Os meus livros não têm a intenção de explicar o Brasil. Até porque a literatura está aí para propor um enigma ao leitor. Às vezes, fazer a pergunta certa é muito mais interessante que dar respostas. E, a questão principal da literatura é a liberdade. Um escritor brasileiro pode escolher se quer falar de favelas ou de temas universais. Se escolher falar de favelas só porque vende muito, sairá algo muito mecânico.
Acho que escrevemos porque precisamos escrever. A melhor literatura surge das obsessões de cada autor. Além disso, os meus livros só poderiam ter sido escritos por mim, por alguém com a minha história. Primeiro por eles estarem escritos em português, trabalho muito com as possibilidades da língua. Por exemplo, o português permite colocar vírgulas onde quiser, diferentemente de muitos idiomas, como o alemão. Além disso, escrevo o que eu escrevo, porque tive uma socialização no Brasil.
Sobre o livro Paisagem com dromedário, como surgiu a ideia de escrever o livro em forma de gravações e por que você acha que o livro está tendo uma recepção tão boa?
Para mim a reação do leitor é sempre um mistério. O Toda terça, o Flores Azuis e o Paisagem com dromedário formam um ciclo sobre como narrar uma história. O Toda terça é como um quebra-cabeça. Ele tem capítulos que não são narrados, a serem reconstruídos pelo leitor. Era um livro sobre como narrar com silêncios no meio da narrativa.
O Flores azuis é sobre uma mulher que manda cartas para o ex-namorado que se mudou e quem as recebe é o novo inquilino. A ideia é que você escreve sempre para alguém que não é a pessoa que está lendo e o que o outro lê nunca é o que você quis dizer. O livro é sobre esse descompasso eterno entre o que é dito e o que é lido. E, no Paisagem com dromedário, pensei em como narrar uma história no limite da palavra escrita, me aproximando da linguagem oral. É quase um "radioteatro", é como se os sons influenciassem e reconstruíssem a narrativa.
Você também é tradutora, do alemão e do espanhol, e já publicou o Toda terça e o Flores azuis em Portugal. Pretende traduzir os livros para outros idiomas, especificamente para o alemão?
Uma vez me perguntaram se eu traduziria um conto meu para o espanhol, um idioma que domino, e eu disse que não. Porque eu jamais o traduziria, eu o reescreveria automaticamente. Em segundo lugar, isso não depende do autor, mas das editoras se interessarem. A Feira é um momento em que as editoras apresentam os autores e fazem os contatos. O que eu poderia fazer já fiz: escrever o livro.
A sua relação com a Alemanha deve ser muito forte, depois de oito anos morando no país. E com o idioma alemão?
A minha relação com a Alemanha é antiga. Antes de vir estudar aqui, frequentei um colégio alemão no Rio, fiz intercâmbio aos 16 anos. Sou apaixonada pelo idioma alemão. Cada idioma é uma forma de olhar para o mundo. Há coisas que só existem em alemão. Existem até palavras que usamos em português, como Zeitgeist e Weltanschauung. O alemão é muito exato, específico. Há ainda expressões que significam a mesma coisa literalmente, mas têm outro peso de acordo com a cultura, como “Eu te amo” e “Ich liebe dich”. Isso tudo enriquece a forma de ver o mundo e de escrever na sua própria língua.
O Toda terça se passa em Frankfurt. O livro surgiu depois de você ter vivido na cidade?
Na verdade, surgiu da minha experiência de estudante na Alemanha. O personagem principal é um estudante que nunca termina o doutorado dele, como acontece com muita gente. O livro é sobre ser estrangeiro, na Alemanha ou em qualquer lugar. Fala sobre como as pessoas enxergam a sua cultura e sobre como você vê o outro.
Você participou de uma leitura de trechos de seus livros nesta semana aqui em Frankfurt e terá outra na Embaixada Brasileira de Berlim na próxima terça-feira. Como você vê o interesse e a presença da literatura brasileira na Alemanha hoje?
Acho que há um interesse enorme, ocasionado por duas coisas: o Brasil como homenageado da Feira do Livro de Frankfurt de 2013 e as mudanças econômicas e sociais que vêm ocorrendo no Brasil nos últimos anos. A importância que a literatura de um país tem no exterior é um reflexo da sua importância econômica.
O que se conhecia na Alemanha era de Jorge Amado a João Ubaldo Ribeiro, então parava por aí. Depois de um certo silêncio, agora surge a pergunta: "O que se está fazendo na literatura brasileira atualmente? Quem são os novos autores e sobre o que estão escrevendo?". Mas os alemães que se interessam hoje pela literatura brasileira têm alguma conexão com o país. Quando o Brasil for o país homenageado, talvez o público se torne menos específico.
Um levantamento recente da Litprom, Sociedade para a Promoção da Literatura da África, da Ásia e da América Latina, mostrou que apenas 61 títulos brasileiros estão disponíveis nas livrarias alemãs hoje. Por que, depois de um boom nas décadas de 1980 e 1990, a literatura brasileira se perdeu na Alemanha? A presença do Brasil na Feira de Frankfurt de 2013 e o novo Programa de Incentivo à Tradução e à Reedição de Autores Brasileiros no Exterior proposto pelo governo contribuirão para uma mudança desse cenário?
Acho que, depois de o país viver uma ditadura, vê-se uma lacuna cultural. Uma ditadura acaba com a liberdade, cala as vozes dos artistas. É necessário tempo para que isso se recupere. Em 1994, o Brasil foi homenageado em Frankfurt, ocasionando um novo interesse pelos autores brasileiros. Agora, o programa da Biblioteca Nacional de apoio à tradução é importante pela ideia de ser uma proposta em longo prazo. Porque é preciso que haja um interesse na Alemanha, mas também é preciso que o Brasil cuide dos seus autores, apoiando a literatura brasileira. Agora há uma junção dessas duas coisas, mas precisamos esperar para ver os resultados de 2013.
Para você, qual seria a importância de ter livros traduzidos especificamente para o alemão, país que abriga a Feira de Frankfurt e com o qual você tem uma relação tão forte?
Além de representar um reconhecimento na minha carreira, teria um significado pessoal muito forte. Tenho amigos aqui que nunca me leram. Seria como se eu passasse a existir como escritora num país ao qual eu também pertenço. E também seria interessante ter contato com um público tão diferente. Parte da vida do escritor é o contato com um leitor, receber um retorno. Acho incrível ter um diálogo com outras culturas.
Autora: Luisa Frey
Revisão: Carlos Albuquerque