Guerra contra a destruição do patrimônio cultural da Ucrânia
11 de setembro de 2022"Contam-se nos dedos das mãos os dias sem bombardeios", relata a vice-diretora de um museu na cidade de Kharkiv, no leste ucraniano, alvo de ataques intensos.
Sua própria instituição ficou severamente danificada pela onda de pressão de uma explosão no prédio defronte. Até 24 de fevereiro, lá trabalhavam 118 funcionários, atualmente são apenas nove. Relatos como esse demonstram a extensão da guerra na Ucrânia, não só para os cidadãos, como para os estabelecimentos culturais do país.
Desde o começo da ofensiva militar da Rússia, historiadores de arte e funcionários de museus e outras instituições da Alemanha se encontram regularmente online com seus colegas ucranianos. "De início, se tratava de obter informações em primeira mão: o que acontece com os objetos, com os colegas?", explica o historiador Kilian Heck, da Universidade de Greifswald.
Foi ele quem iniciou os encontros, logo uma semana após a invasão russa, também para fazer frente à sensação de impotência, pois "imperava uma perplexidade total, que precisava ser canalizada".
Durante meses, as reuniões eram semanais, agora são quinzenais. Duas participantes traduzem nos dois idiomas. Enquanto os primeiros encontros foram marcados pela descrição da situação, a apreensão pelos colegas e ofertas de ajuda para aqueles em fuga, logo o foco se deslocou para a organização ativa de transportes de assistência.
"Constatou-se que os que deixam o país não são tantos assim, mas é necessário ajuda in loco, a fim de proteger as instituições, os bens culturais e a infraestrutura", explica Heck. Desde então, os encontros também visam decidir diretamente sobre as medidas e recursos necessários.
Patrimônio ucraniano na mira russa
Daí nasceu a Netzwerk Kulturgutschutz Ukraine ("rede de proteção do patrimônio cultural da Ucrânia") que não deve ser confundida com a rede homônima, fundada igualmente em março pela encarregada do governo federal alemão para Cultura e Mídia.
A iniciativa particular, financiada sobretudo por grandes doadores, promete "assistência descomplicada para museus e bens culturais ameaçados da Ucrânia". Seus especialistas trabalham em caráter voluntário. O clima nas reuniões é por vezes entusiástico, alguns participantes ucranianos difundem a certeza de que os agressores acabarão perdendo.
As listas de requisitos dos estabelecimentos culturais eram longas: cobertores à prova de fogo, material de embalagem para transporte dos objetos a áreas do oeste do país, onde os combates são menos intensos. Com vista ao inverno incerto, voltaram a ser muito solicitados condicionadores-de-ar para proteger os bens da umidade ou temperaturas extremas, assim como scanners e impressoras 3D, a fim de digitalizar os acervos – também para o caso de serem destruídos.
Pois é inegável que a ofensiva da Rússia também tem na mira o patrimônio cultural ucraniano. Um website criado pelo Ministério de Cultura e Política de Informação da Ucrânia registra mais de 500 danos de guerra a sítios culturais. Nas fotos veem-se buracos de disparos e destruição por bombas de fachadas de museus e igrejas. Fala-se de bombardeios direcionados contra as instituições, consta que tropas russas estariam levando para seu país objetos culturais das regiões ocupadas.
"É chocante ouvir sobre assassinatos e estupros"
A Netzwerk Kulturgutschutz Ukraine já organizou mais de 20 transportes de artigos de assistência, por último também com o apoio de verbas públicas, pois Berlim disponibilizou 1,5 milhão de euros para a proteção do patrimônio cultural ucraniano ameaçado pela guerra.
Contudo, tem sido alvo de críticas o fato de essas verbas estarem sujeitas ao ano orçamentário: o que não for gasto até o fim de 2022 não poderá mais servir às medidas de proteção. Especialistas consideram pouco praticável fazer as aquisições e contabilizá-las dentro desse prazo, numa situação de guerra. Por isso faria mais sentido um fundo emergencial desvinculado de prazos.
Para além das medidas de ajuda ativas, um componente importante das reuniões online é o intercâmbio humano, mesmo que seja apenas a mera narrativa do sofrimento vivenciado. Uma museóloga de Pokrovsk, na província de Donetsk, conta sobre a iniciativa "Café no Museu", em que ela e colegas se encontram, também virtualmente, para apoio psicológico recíproco, tentando processar os acontecimentos. Recentemente, eles prantearam em conjunto a morte de uma colega.
De início, o próprio Kilian Heck não esperava que os encontros se estenderiam por meses. Já tendo participado de 20, ele confirma que "cada vez eles são um pouco diferentes": "Além dos bens culturais, trata-se também de experiências muito pessoais. É chocante quando colegas relatam sobre assassinatos ou estupros."