Donetsk luta para preservar a cultura em meio à destruição da guerra
16 de novembro de 2014A programação de novembro da Ópera de Donbas aposta no repertório leve: a opereta de Emmerich Kálmán A Princesa Cigana, A Traviatade Giuseppe Verdi, O Barbeiro de Sevilhade Gioacchino Rossini. É como se a cultura tivesse a função de garantir o bom humor na cidade severamente destruída no leste da Ucrânia.
"Primeiro, vamos nos apresentar de graça e ver se o público pelo menos vem", diz a corista Lidia [nome modificado pela redação]. "As pessoas aqui estão precisando se distrair da guerra." A cantora trabalha desde final de 2012 na casa de ópera da cidade de Donetsk. Na época, o teatro fez manchetes com a primeira apresentação de uma obra de Richard Wagner na Ucrânia: o emblemático projeto teuto-ucranianoO Navio Fantasma.
Porém nada restou desse esplendor: todo o cenário, inclusive adereços, foi queimado na esteira dos conflitos na região de Donbas. O depósito pegou fogo depois de ser atingido por dois tiros de bazuca. Lidia conta que a maioria dos artistas fugiu, só resta um terço dos integrantes do coro e da orquestra. "Quando Ludmila Yanukovytch [esposa do ex-presidente ucraniano pró-Moscou] ainda frequentava as nossas estreias, a situação era bem diferente", lembra a corista.
"É de partir o coração", comenta o famoso coreógrafo e professor de balé Vadim Pisarev, cuja Escola de Dança de Donetsk forneceu bailarinos solistas não só para a Rússia e Ucrânia, mas também para algumas casas alemãs. "Nosso teatro está localizado em território onde a guerra continua grassando."
Entre a política e a guerra
O Teatro de Donetsk já foi um bastião da dramaturgia contemporânea, onde se encenava principalmente em ucraniano. A nação, baseada num romance de Maria Matios, foi uma de suas últimas estreias: a peça trata da luta dos combatentes da resistência ucraniana contra o domínio soviético, na década de 1930.
Agora, no entanto, o teatro tem que dar uma guinada de 180 graus: "Caso se encenassem peças ucranianas agora, as pessoas seriam fuziladas na hora", declarou o ministro ucraniano da Cultura, Yevgeny Nyshchuk, em Kiev. Os atores do teatro, por sua vez, asseguram desafiadores: "Mesmo assim, continuamos nos apresentando. Temos suficientes peças russas no repertório."
Segundo dados oficiais, mais de 30 instalações culturais foram destruídas ou gravemente danificadas em Donetsk. O Memorial Saur-Mogila, por exemplo, erguido na década de 1960 em homenagem aos mortos da Segunda Guerra Mundial, sofreu vastos danos.
Na colina em que se encontram suas lamentáveis ruínas, em 1943 travaram-se batalhas sangrentas entre as forças nazistas e o Exército Vermelho. Em julho e agosto de 2014, um grande número de homens voltou a morrer ali, dessa vez nos embates entre os separatistas pró-russos e o Exército ucraniano.
Outra vítima da guerra foi o popular Museu Histórico de Donetsk, atingido por 15 disparos de bazuca. "Não acredito que tenham atirado de propósito no museu", presume a conservadora-chefe do museu, Tatiana Koynash. "Provavelmente aconteceu de, por acaso, nós estarmos entre os fronts."
Mais de 30% de um total de 150 mil objetos de exposição foram destruídos, calcula o diretor do museu, Yevgeny Denizenko. "Se o meu cabelo não já fosse grisalho, certamente teria ficado, diante dessa visão", diz, diante das terríveis perdas.
E elas teriam sido ainda bem maiores se os seus funcionários não já tivessem retirado os objetos particularmente frágeis e valiosos, em meados do ano. No entanto, todos trabalham ali por puro entusiasmo, comenta Denizenko, pois o último salário foi pago no segundo trimestre.
A restauração do prédio custaria 95,6 milhões de grívnias (cerca de 6 milhões de euros), calcula o diretor. Atualmente, numerosos voluntários se empenham para garantir que o museu resista ao inverno. Um deles, o pedreiro desempregado Igor, justifica seu empenho: "Afinal, o museu é a nossa história. Ele deve e vai voltar a funcionar."
"Isso não é arte!"
Os funcionários do centro de arte contemporânea Izolyatsia são menos otimistas. Nos arredores da cidade, uma fundação particular transformou uma fábrica abandonada em moderno centro de arte contemporânea. Seu modelo foi a Região do Vale do Ruhr, no oeste da Alemanha, que passou de desolada ex-zona de mineração a polo cultural. "Cultura através da mudança, mudança através da cultura", era o lema.
Mas o território foi ocupado por separatistas pró-Rússia, as obras de arte foram destruídas, a livraria, saqueada. Todos os funcionários fugiram para Kiev, onde a fundação continua suas atividades sob o nome "Izolyatsia in Exile".
Leonid Baranov, um dos invasores separatistas, sentencia: "Não sou especialista, mas sei muito bem distinguir arte verdadeira dessa pornografia." E mostra uma foto, como se fosse um troféu: trata-se de uma obra do renomado fotógrafo ucraniano Boris Mikhailov. "Uma coisa eu lhe prometo: 'arte' como essa não vai existir na República Popular de Donbas!"