Goya e os monstros da razão em Berlim
21 de julho de 2005O artista cochilou por um momento. Enquanto sua cabeleira negra praticamente cobria a mesa, criaturas tão fabulosas quanto assustadoras surgiam às suas costas: corujas de bicos afiados, olhos brilhantes em pântanos escuros, morcegos com grandes asas abertas. "O sono da razão produz monstros", dizia uma de suas gravuras – uma obra casual, que acabaria tornando-o famoso.
Foram imagens como esta que levaram os curadores da Alte Nationalgalerie de Berlim a anunciar o pintor espanhol como "profeta do modernismo" no título da mostra. Simbolismo, expressionismo, surrealismo: Goya antecipou quase todos os movimentos de vanguarda do século 20 em seus desenhos, provocando o "Big Bang modernista", nas palavras do curador Moritz Wullen – só que cerca de cem anos antes de o movimento começar.
Hotéis aproveitam
Neste verão, espera-se que Goya cause outras sensações: a cena artística berlinense espera que a exposição do mestre espanhol atraia multidões semelhantes às da exposição do MoMA, em 2004, quando as principais obras da instituição nova-iorquina estavam de visita à capital alemã. Cerca de 1,2 milhão de pessoas visitaram a mostra, assegurando um faturamento de 6,5 milhões de euros. Em vez de "MoMA em Berlim", agora é "Goya em Berlim"?
Os hotéis da cidade já estão preparados e oferecem pacotes para interessados, incluindo dois pernoites, uma visita guiada e o catálogo da exposição. Empresas de transporte rodoviário também avaliam a possibilidade de oferecer pacotes de viagem. Para o curador Wullen, isso o pegou de surpresa. Pois, segundo ele, ao contrário da Neue Nationalgalerie, que recebeu as pérolas do MoMA, a Alte Nationalgalerie não possui estrutura para receber cerca de mil visitantes por hora. "Aqui, uma multidão como essa derrubaria os quadros das paredes."
Colecionadores temem pelas obras
Tanta gente no mesmo lugar também poderia complicar ainda mais as exigências de instituições e colecionadores quanto à segurança das obras. Das 80 pinturas da mostra, 12 pertencem ao Museu do Prado, em Madri, e tiveram de ser transportadas por uma escolta policial até Berlim.
O custo relativo ao seguro das obras foi tão alto – 500 milhões de euros – que o próprio governo federal teve de prestar fiança. Mesmo assim, alguns colecionadores optaram por não emprestar as peças. "Eles vivem com estas obras e não poderiam abrir mão delas", explica Wullen, que negociou pessoalmente com a maioria deles.
Mas ele entende o enorme interesse que a mostra desperta. Até porque, segundo ele, só hoje é realmente possível entender Goya. Para compreender suas visões apocalípticas – matanças de guerra, feiticeiros, fantasmas de duas cabeças – e seu estilo dinâmico, seria necessário um olhar treinado com os filmes de terror das últimos décadas. "Se Goya tivesse hoje 200 anos de idade", especula Wullen, "ele faria filmes e videoclipes."
Dois lados do mesmo pintor
Mas, à sua época, Goya teve de encontrar outros meios de subsistência. Ele pintou retratos de nobres, naturezas mortas e paisagens idílicas até ganhar aceitação na corte espanhola. O reconhecimento não demorou a chegar e ele recebeu até um título de nobreza.
No entanto, as obras pelas quais Goya é hoje famoso foram pagas do próprio bolso. Para englobar essas duas facetas da vida do pintor, a exposição em Berlim foi dividida em duas partes: nos grandes salões, estão reunidas as obras feitas por encomenda; nas câmaras ao redor, estão expostas suas visões de horror.
São exatamente esses os quadros que mais respondem à modernidade e à contemporaneidade de Goya e não se deve deixar-se irritar por eles, afinal nunca houve uma exposição maior sobre Goya em todos os países de língua alemã.
Em virtude disso, até a pergunta se Goya foi apenas um astucioso pintor da corte ou se foi um verdadeiro Hitchcock de sua época dispensa resposta. Até 3 de outubro, a exposição poderá ser vista na Alte Nationalgalerie. Depois, ela segue para o Museu de História da Arte de Viena e, finalmente, para o Museu do Prado em Madri.