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Governo Lula muito aquém das expectativas

Klaudia Prevezanos / gh1 de janeiro de 2005

Em entrevista à DW-WORLD, a economista e especialista em Brasil Barbara Fritz, do Instituto de Estudos Ibero-Americanos de Hamburgo, faz um balanço dos dois anos da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

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Foto: AP

DW-WORLD: Lula e seu governo completam a metade de sua gestão. Até que ponto Lula teve sucesso político?

Barbara Fritz: As expectativas iniciais em relação a Lula eram enormes. Os eleitores deram-lhe uma trégua no primeiro ano, porque ele herdou uma situação econômica muito difícil. Agora, no segundo ano, em 2004, as expectativas foram relativamente frustradas, porque a política econômica não mudou. Politicamente, Lula decepcionou muitos que tinham a esperança de que ele implementaria uma política decidida de esquerda, de distribuição da renda, beneficiando camadas até agora marginalizadas. Ele inseriu seu partido, o PT, no cenário político normal do Brasil.

Por outro lado, não é um governo fracassado. Ele iniciou várias reformas. Lula, como pessoa, continua tendo muita legitimidade e reina tudo, menos caos político ou incapacidade de decisão, no Brasil. A política externa é um dos campos em que Lula está tendo maior sucesso. Ele consolidou seu perfil como um dos líderes dos mercados emergentes, nas negociações com a Organização Mundial do Comércio (OMC), no fortalecimento do bloco econômico regional do Mercosul e em relação aos EUA nos seus esforços para criar uma ampla zona de livre comércio para a toda a América. No fundo, Lula não difere muito de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. O rumo é o mesmo: manter e ampliar a posição hegemônica do Brasil.

Quais foram as vitórias econômicas de Lula nos dois primeiros anos?

Brasiliens Präsident Luiz Inacio lula da Silva
Foto: AP

O primeiro ano de governo foi muito duro em termos de política econômica, o país esteve à beira da inadimplência. Lula e sua equipe disseram desde o início que nesse ano não poderiam realmente governar e, sim, apenas tentar conter a crise. Em 2003, a economia despencou e o valor real dos salários voltou a cair bastante, mas dentro do previsto. A maioria da população ficou satisfeita com o fato de as coisas não terem piorado; o povo sabia o que o esperava. O mundo financeiro elogiou muito a linha política extremamente ortodoxa do governo Lula. Ao contrário que se esperava, Lula priorizou claramente o serviço das dívidas do país, para depois destinar investimentos públicos a outras áreas.

No segundo ano, a economia cresceu novamente, mais de 4%, os salários aumentaram um pouco e a taxa de desemprego recuou levemente, mas isso de um nível muito elevado. Apesar disso, a política econômica continua sendo muito conservadora, com juros extremamente altos. Alegando perigo da inflação, o Banco Central voltou a elevar os juros recentemente. A política econômica é negativa principalmente para os gastos públicos: eles se destinam sobretudo ao serviço das dívidas; os investimentos atingiram o nível mais baixo dos últimos 20 anos. Ao mesmo tempo, há consideráveis problemas financeiros em setores politicamente importantes, como a reforma agrária, a educação e o combate à pobreza, do qual faz parte o programa Fome Zero, o projeto prioritário do governo. Por isso, existe uma grande frustração devido à política econômica conservadora do governo Lula, que, fora o pagamento das dívidas, deixa pouco espaço de ação em outros campos políticos, porque falta dinheiro.

O programa Fome Zero foi apenas uma boa campanha publicitária do presidente?

Eu pessoalmente nunca vi resultados desse programa. Mas o que se lê a respeito é que Lula tentou implementar algumas inovações no setor social e educacional. Lula sabia que, sobretudo no primeiro ano de governo, não teria dinheiro e, por isso, lançou esse importante programa simbólico da Fome Zero. Em 2003, ele foi financiado apenas em parte com dinheiro público – a maior parte dos recursos veio de doações particulares. E a sociedade brasileira está disposta a doar, porque está consciente de que a extrema desigualdade na distribuição da renda e da riqueza no país é insuportável, gera muita violência e representa um dos problemas centrais.

Houve, porém, uma série de dificuldades no lançamento e implementação desse programa. De fato, depois de alguns meses, o projeto foi fundido com programas de combate à pobreza iniciados no governo de FHC. Continuam existindo problemas para encontrar as famílias a serem beneficiadas. Não é um programa ruim ou fracassado, mas ficou muito aquém das expectativas.

Quais são os problemas previsíveis para o segundo tempo do governo e o que Lula precisa fazer?

Landloser in Brasilien
Foto: dpa

Em primeiro lugar, o PT não ganhou as eleições sozinho e, sim, numa ampla coalizão com partidos conservadores e, em parte, até direitistas. Isso caracterizou o governo desde o início. É um governo de coalizão, não um governo esquerdista do PT. Isso acaba de ser reforçado pela necessidade do PT de fechar uma nova coalizão. Para viabilizar a aprovação de determinados projetos de lei, foram admitidos novos partidos. Há pouco tempo, o maior partido da coalizão, o PMDB, rompeu o acordo com o PT, de forma que a situação não ficará mais fácil para o governo. Como tem feito até agora, ele terá de procurar sua maioria ad hoc no Parlamento, na base de inúmeras concessões políticas.

Não é de se esperar uma grande mudança de rumo nos próximos dois anos. Esperava-se que em 2004 ainda aconteceria uma guinada para a esquerda, o que não ocorreu. Economicamente, a situação parece bem tranqüila. Pela primeira vez nos últimos 15 anos, em 2003 e 2004 o Brasil teve um superávit na balança de transações correntes e exportou mais do que importou. Isto é, atualmente o país não é tão dependente de novas importações de capitais. Apesar disso, persiste uma dependência, o serviço das dívidas ultrapassa o superávit na balança de transações correntes. E esse superávit deve-se a alguns fatores especiais, como o alto preço da soja e dos minérios, devido à enorme demanda da China. Também o Brasil lucra no momento com o crescimento econômico da China, com o fornecimento de alguns importantes produtos de exportação para aquele país. A questão é por quanto tempo a demanda da China continuará crescendo. Grandes aumentos da renda, com certeza, não ocorrerão nos próximos dois anos, embora o país precise urgentemente deles. Uma redistribuição nacional é necessária, mas também nesse sentido não há muito espaço para mudanças.

As derrotas no segundo turno das eleições municipais em São Paulo e Porto Alegre são prenúncios da estrela cadente de Lula?

O transcurso das eleições foi complicado. Pode-se interpretar o resultado como uma advertência, porque o PT em sua coalizão governamental persegue uma política semelhante à do PSDB, de modo que se poderia votar no PSDB. Nesse caso, aproximaram-se do centro – com alas de esquerda – dois partidos que têm programas semelhantes. Quer dizer, a corrida presidencial daqui a dois anos muito provavelmente será disputada por esses dois partidos. E o PSDB tem chances de ganhar novamente. A eleição em São Paulo realmente foi um alerta para Lula.

A Sra. acredita que Lula vencerá as eleições de 2006?

Lula prepara-se explicitamente para isso e quer se candidatar. Sua retórica pública insinua há bastante tempo que não basta um mandato para governar, que se precisa de dois. Nota-se também que os movimentos sociais se afastam cada vez mais e abertamente do governo Lula e do PT. Esse não é o único fator, mas ele sinaliza que o PT está perdendo muito de sua clientela tradicional. Por isso, o PT precisa concentrar-se no eleitorado de centro, onde concorre claramente com o PSDB. Por isso, o desfecho das eleições no momento é uma corrida aberta.

Qual é o balanço do governo Lula quanto às relações bilaterais com a Alemanha?

A relação entre Alemanha e Brasil nunca foi ruim nos últimos tempos. Não houve maiores conflitos. Estes ocorrem cada vez mais em nível de União Européia (UE). Houve as negociações UE-Mercosul sobre um acordo de comércio bilateral, que deveriam ser concluídas em novembro de 2004, mas fracassaram. No mais, houve as recentes manifestações teuto-brasileiras de apoio mútuo para obter um mandato permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Há uma cooperação mais estreita na área de meio ambiente. Houve uma breve e pequena crise a respeito da prorrogação do acordo energético da Alemanha com o Brasil, porque ele envolve a transferência de tecnologia nuclear. Mas ela foi superada com rapidez. As relações são estáveis.