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Governo Bolsonaro manda sinais confusos a Pequim

José Antonio Lima de São Paulo
26 de março de 2019

Ao mesmo tempo em que destacam importância do maior parceiro comercial, presidente e seu círculo mais próximo com frequência se manifestam de forma hostil à economia chinesa. Um retrato do descompasso em Brasília.

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Brasilien, Brasilia: Jair Bolsonaro Präsident
Foto: picture alliance/dpa/E. Peres

O descompasso entre os setores mais pragmáticos do governo Jair Bolsonaro e as figuras ligadas a Olavo de Carvalho não se restringe à posição do Brasil diante da crise na Venezuela ou às estratégias para lidar com o Legislativo. As relações com a China, maior parceiro comercial brasileiro, também se tornaram um campo de atrito para apoiadores do novo presidente da República, uma crise que expõe as dificuldades do governo para conciliar o ímpeto ideológico trazido das eleições com o cotidiano da administração pública.

Antes de viajar para os Estados Unidos, na semana passada, Bolsonaro afirmou que a China "é muito importante" para o Brasil e, ao deixar Washington, confirmou que visitará o país asiático no segundo semestre. O presidente não se furtou, no entanto, a indicar sua contrariedade com o peso chinês na balança comercial. "A China é importante para nós, mas o Brasil deixa de fazer comércio com o mundo todo levando-se em conta o viés ideológico", afirmou.

Esse tipo de pensamento ecoa o que expoentes do "olavismo" pensam sobre a China. Durante a campanha e após ser eleito, o então candidato retratou a China como uma predadora e repetiu algumas vezes que os investimentos chineses por aqui significavam uma tentativa de "comprar o Brasil" e não comprar "no Brasil". Em março de 2018, Bolsonaro viajou para Taiwan, que a China considera uma província rebelde.

Em janeiro, quando integrantes do PSL, o partido de Bolsonaro, fizeram uma visita a Pequim, viraram alvo do próprio Olavo de Carvalho. Acusados de "vender o Brasil para a China”, foram classificados como "comunistas infiltrados na direita".

No mês passado, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) afirmou em entrevista que a China era a maior parceira comercial do Brasil por "motivos ideológicos”. No início de março, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, foi ainda mais explícito. "Nós queremos vender soja e minério de ferro, mas não vamos vender nossa alma”, disse.

Em parte, as críticas à China se dão por conta da visibilidade que o investimento chinês tem no Brasil. Hsieh Yuan, líder do China Desk da Mazars, uma empresa de consultoria, explica que as estatais chinesas estão no Brasil "por necessidade", atrás de alimentos e commodities, como petróleo e minério de ferro.

Para facilitar a produção e o escoamento desses produtos, os chineses investem pesado em obras de logística e energia. Isso serviria como uma proteção ao Brasil diante do discurso dúbio do governo. "A política chinesa não é tão sensível assim. Muitas vezes, eles seguem a vida independentemente do que acontece aqui no Brasil”, diz.

Apesar da necessidade dos produtos brasileiros, o governo chinês demonstrou irritação. Após a eleição de Bolsonaro, o jornal Global Times, ligado ao regime, afirmou que se ele "continuar a desprezar o princípio básico sobre Taiwan depois que tomar posse, isso aparentemente custará ao Brasil um grande negócio". Mais recentemente, o jornal Valor Econômico revelou que o primeiro repasse do Fundo de Cooperação Brasil-China, que pode chegar a US$ 20 bilhões, foi travado diante da apreensão dos asiáticos.

Um bom relacionamento com Pequim é considerado fundamental para o Brasil. Em 2018, o país exportou US$ 64,2 bilhões para a China e teve um superávit na balança bilateral de US$ 29,4 bilhões, resultados frutos de décadas de dedicação por parte do empresariado e do governo brasileiros.

"A ditadura militar reconheceu a China em 1974 e, desde a redemocratização, todos presidentes foram responsáveis por um incremento na relação bilateral", afirma Evandro Menezes de Carvalho, coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV Direito Rio.

A intensa relação com a China, afirma Carvalho, foi significativa para amenizar a crise brasileira. "Se não fosse o superávit comercial com a China, a crise econômica na qual nós nos metemos teria sido ainda pior”, diz.

O professor da FGV destaca que a passagem de Bolsonaro por Washington emitiu sinais confusos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, por exemplo, afirmou que o Brasil não vai reduzir as exportações para a China, mas ao mesmo tempo disse que Pequim causa "um mal-estar na civilização ocidental".

"Essa deveria ter sido uma imagem na qual o Brasil deixasse claro que a guerra comercial entre EUA e China não pode nos afetar”, diz. "A relação Brasil-China deveria ficar num contexto à parte, até porque os próprios EUA não vão abrir mão de ter uma relação privilegiada com a China”, diz.

Um setor para o qual este tema é delicado é o agronegócio. Apenas a soja respondeu por 43% dos US$ 64,2 bilhões exportados do Brasil para a China em 2018. O setor, que apoiou Bolsonaro, evita fazer críticas diretas ao governo, mas não esconde sua preocupação. "Estão ocorrendo algumas distorções, como dizer que o Brasil vê mais importância nos EUA do que na China. Não. A produção brasileira não vê assim”, afirma Gustavo Chavaglia, vice-presidente da Aprosoja Brasil, que congrega os produtores de soja no país.

O produtor rural destaca que o agronegócio encara a China como "excelente parceiro" e atribui as declarações bolsonaristas ao que chama de "excesso de expectativa na busca por novos mercados". Chavaglia salienta, no entanto, que a aproximação com os EUA não deve machucar a relação bilateral com a China. Ele também rejeita a ideia de que o comércio entre brasileiros e chineses tenha viés ideológico. "Nós temos o que eles precisam e eles precisam do que nós temos", afirma. "Não compactuo com extremistas. Precisamos ter cuidado com os exageros”, diz.

Como ocorreu na crise venezuelana, quem tomou as rédeas da relação entre Brasil e China foi o vice-presidente, Hamilton Mourão. O general vai coordenar o mecanismo de diálogo político regular entre os dois países e deve visitar Pequim em maio. Carvalho, da FGV, lembra que Mourão enfatizou a necessidade da boa relação com a China, articulando ideias como o interesse nacional e a soberania.

"Essa atitude de relativa hostilidade [de Bolsonaro] é completamente descabida. Vem na hora errada em todos os sentidos", diz. "Mas esse tipo de abordagem [de Mourão] é algo que a China entende bem, porque eles agem assim”, afirma.

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