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Governador do Pará troca delegado que investigava ONGs

28 de novembro de 2019

Inquérito vem provocando questionamentos por falta de evidências concretas de crime e por contrariar investigação da PF. Brigadistas acusados por delegado da Polícia Civil que conduzia caso foram soltos hoje.

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Alter do Chão
A APA de Alter do Chão, que foi atingida por um incêndio em setembro. Polícia Civil acusou ONGs, mas PF e MPF apontam a suspeita de que grileiros cometeram o crime Foto: Imago/AGB Photo/R. Aguiar

O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), anunciou nesta quinta-feira (28/11) que determinou a troca do delegado que acusou quatro brigadistas ligados a uma ONG de provocarem incêndios propositais em Alter do Chão, um distrito de Santarém.

Os quatro foram presos na terça-feira pelo delegado da Polícia Civil José Humberto Melo Júnior, que ainda executou mandados de busca e apreensão na sede de três ONGs. O inquérito vem provocando questionamentos por não incluir perícias, testemunhas ou imagens que evidenciem o crime. 

"Determinei que houvesse a mudança do presidente do inquérito, e a partir de agora estará presidindo as investigações o delegado Waldir Freire, que é o diretor da polícia especializada em meio ambiente", afirmou o governador Helder Barbalho, em mensagem gravada em vídeo e divulgada no Twitter.

Ainda de acordo com Barbalho, a mudança foi feita "para que tudo seja esclarecido da forma mais rápida e transparente possível". O governador afirmou também que "ninguém está acima da lei, mas também ninguém pode ser condenado antes de esclarecer os fatos".

Os quatro presos foram soltos nesta quinta-feira, após determinação do juiz Alexandre Rizzi, o mesmo que havia autorizado as prisões. Em vez da prisão, o juiz o determinou que o quarteto cumpra medidas cautelares. Daniel Gutierrez Govino, João Victor Pereira Romano, Gustavo de Almeida Fernandes e Marcelo Aron Cwerner deixaram o Centro de Detenção Provisória de Santarém no início da noite.

Na última terça-feira, o delegado Melo Júnior afirmou que tinha "fartas provas" contra os brigadistas. Sua tese é que os membros da ONG Brigada Alter do Chão provocaram em setembro incêndios em uma área de proteção ambiental (APA) com o objetivo de conseguir "vantagens financeiras" por meio da venda de fotos do fogo para ONG internacional WWF, que por sua vez teria usado as imagens para conseguir doações no exterior. Segundo o delegado, as fotos foram "vendidas" por 70 mil reais.

Mas dados do inquérito mostraram que a Polícia Civil se baseou principalmente na interpretação de material coletado em interceptações telefônicas de conversas dos brigadistas para fundamentar a acusação. Os diálogos divulgados até agora, no entanto, não evidenciam claramente qualquer crime.

As conversas também apontam que os brigadistas não tomaram qualquer iniciativa para vender  imagens, mas que a WWF exigiu fotos do trabalho dos membros da ONG no combate aos incêndios como contrapartida para uma doação de 70 mil reais, destinada para compra de equipamentos. Os diálogos ainda mostram que os brigadistas manifestaram preocupação de que as imagens das ações da brigada poderiam ser usadas pela WWF por um longo período.

O delegado do caso também não detalhou qual teria o papel de cada um dos presos nos incêndios.

O inquérito da Polícia Civil também entrou em choque com uma investigação paralela conduzida pela Polícia Federal para apurar as causas do incêndio na APA de Alter do Chão. O Ministério Público Federal afirmouque nesse inquérito "nenhum elemento apontava para a participação de brigadistas ou organizações da sociedade civil".

"Ao contrário, a linha das investigações federais, que vem sendo seguida desde 2015, aponta para o assédio de grileiros, ocupação desordenada e para a especulação imobiliária como causas da degradação ambiental em Alter", disse o MPF, em nota.

Além das prisões, a Polícia Civil cumpriu na última terça-feira mandados de busca e apreensão na sede do Projeto Saúde e Alegria, uma ONG que já recebeu vários prêmios por sua atuação na Amazônia. Computadores e documentos do grupo foram vasculhados.

O caso gerou ampla repercussão entre ONGs nacionais e internacionais. A Anistia Internacional manifestou "preocupação" com as prisões. Já a WWF criticou "a falta de clareza sobre as investigações, a falta de fundamento das alegações usadas e, por consequência, as dúvidas sobre o real embasamento jurídico dos procedimentos adotados". A ONG também disse que informações divulgadas pelo delegado eram "inverídicas".

Mas as prisões também foram abordadas por apoiadores do governo do presidente Jair Bolsonaro, que nos últimos meses lançaram ou endossaram sem provas acusações de que ONGs estariam tanto por trás das queimadas que castigaram a Amazônia no início do segundo semestre quanto do derramamento de óleo que vem atingindo a costa do Nordeste.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por exemplo, reproduziu em seu Twitter um dos diálogos interceptados pela Polícia Civil do Pará. Ele escreveu: "Tirem suas próprias conclusões".

Bolsonaro também usou o Twitter para divulgar a notícia das prisões. Em agosto, ele havia dito, sem apresentar qualquer prova, que ONGs poderiam ter provocado incêndios na Amazônia para enfraquecer a imagem do governo. Na sua mensagem, Bolsonaro sugeriu que a ação da polícia paraense era uma confirmação de que ele tinha razão: "Em outubro (sic) declarei que muitos focos de incêndios poderiam estar ligados a ONGs. Agora a polícia paraense prende alguns suspeitos pelo crime."

O incêndio que atingiu a APA Alter do Chão começou no dia 14 de setembro, em uma área de difícil acesso. No dia seguinte, brigadistas começaram a atuar no combate ao fogo. A ação também contou com a participação dos bombeiros e das Forças Armadas.

A APA fica no balneário de Alter do Chão, um distrito de 6 mil habitantes de Santarém e que é um dos principais destinos turísticos do Pará. Na segunda-feira, uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo apontou que o balneário está sob pressão do mercado imobiliário e de grileiros.

JPS/ots

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