Nördlingen é uma pequena e aprazível cidade de 20 mil habitantes 150 quilômetros ao norte de Munique, capital da Baviera, e faz fronteira com o estado de Baden-Württemberg, no sudoeste da Alemanha. Foi lá que Gerd Müller nasceu em 3 de novembro de 1945. Era o quinto filho do modesto casal Johann e Christine Müller. Após terminar a Grundschule (ensino básico), foi aprender o ofício de tecelão numa empresa local para poder ajudar no sustento da família.
Começou a jogar futebol na rua com sua turma na escola e mais tarde com seus colegas de trabalho. E já naquela época, fins dos anos 1950, ele despertou o interesse do clube local TSV Nördlingen. Passou a integrar o time sub-17 e consta que na temporada 62/63 marcou 180 gols pela equipe.
Não demorou muito para fazer parte do elenco principal e na temporada 63/64, com apenas 18 anos, anotou 47 gols em 28 jogos, levando o TSV Nördlingen para a Liga Regional da Baviera. Já naqueles tempos fazia gato e sapato das defesas adversárias.
Pequeno passo rumo a uma grande carreira
Todo esse protagonismo do jovem Gerd Müller não passou despercebido de dirigentes dos dois grandes clubes de Munique. De um lado havia o TSV 1860, clube fundador da Bundesliga, e de outro, o Bayern, que na época disputava a Liga Regional, equivalente à segunda divisão.
O 1860 fez de tudo para contratar o jovem atacante, mas Müller era tímido e se assustou com o assédio dos cartolas e preferiu assinar com o ainda pequeno Bayern, que na época nem fazia parte da elite do futebol alemão. Naquele momento de firmar o contrato, ele jamais poderia imaginar que estava dando um primeiro pequeno passo rumo a uma grande carreira e, de quebra, levando o Bayern de Munique a patamares no futebol alemão e mundial até então nunca atingidos pelo clube.
Comparado com os valores estratosféricos pagos a um profissional de futebol hoje em dia, salta aos olhos o modesto salário pago pelo Bayern. No ato da assinatura do contrato, Müller recebeu, a título de luvas, 5.000 marcos alemães, equivalentes na época a 2.500 dólares, além de um salário mensal de 500 marcos.
O "bombardeiro"
Logo em sua primeira temporada, ainda com o Bayern na Liga Regional Sul, Gerd estourou a boca do balão. Já na primeira partida contra o Freiburg, em 18 de outubro de 1964, marcou um gol na vitória por 3 x 0. Na temporada toda, anotou 33 gols em 26 jogos, e no torneio de acesso para a primeira divisão, marcou mais seis. Finalmente o Bayern chegou à Bundesliga e com ele Gerd Müller, que a partir daí passaria a ser conhecido como Bomber (bombardeiro).
O Bomber, baixinho encorpado de 1,76 m, marcava gols com a canhota, com a direita, de cabeça, de peito, de costas, até com o bumbum se fosse preciso. A esmagadora maioria de dentro da grande área. "Você precisa ter sempre em mente exatamente onde o gol está. Não importa o lugar do campo onde você se encontra. Importa que você se posicione de tal modo que lhe permita finalizar com êxito", explicava para jornalistas atônitos.
Mais do que ninguém, ele sabia do que estava falando. Antecipava a jogada e sabia o que iria acontecer no momento seguinte. Apenas uma das razões pelas quais geralmente estava no lugar certo, na hora certa. O seu talento de marcar gols imprevisíveis a partir de situações impossíveis se tornou lendário.
A zona de conforto de Gerd Müller mede 665 m². É o tamanho da grande área de um campo de futebol, onde o "bombardeiro" reinava. Era o rei do pedaço e, quando conseguia chegar à bola por ali, era gol quase certo. Haja gols para o Bayern. Foram ao todo 567 em 607 jogos oficiais. E haja gols para a seleção alemã: 68 em 62 partidas.
Legado para o Bayern
Nenhum outro atacante alemão, antes ou depois, chegou à sua categoria. O rei artilheiro, primeiro e único reinava em outra prateleira. A ascensão meteórica do Bayern de Munique na década de 1970 e anos subsequentes se deve em grande parte aos gols de Gerd Müller.
Franz Beckenbauer concorda: "Tudo aquilo que o Bayern é hoje, com seu futebol, sua sede monumental aqui na Säbener Strasse, com o Centro de Treinamento, enfim toda essa estrutura – sem Gerd Müller não existiria. Nossos jogadores ainda estariam trocando de roupa naquele vestiário de madeirame dos anos 1960."
Gerd Müller nos deixou, mas em nossa memória ficará para sempre como um dos grandes do futebol mundial.
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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Atuou nos canais ESPN como especialista em futebol alemão de 2002 a 2020, quando passou a comentar os jogos da Bundesliga para a OneFootball de Berlim. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit é publicada às terças-feiras.