Não é de hoje que o Schalke 04 vem tropeçando nas próprias pernas. Desde a conquista do seu ultimo título de campeão alemão, em 1958, cinco anos antes da fundação da Bundesliga, os azuis reais nunca mais viram a cor da bola. Ficar festejando vice-campeonatos beira o ridículo porque ser vice-campeão significa apenas que o time foi o melhorzinho de todo resto, nada mais.
Há poucas testemunhas oculares da gloriosa história do Schalke da década de 1930 quando foram conquistados cinco títulos de campeão alemão e, aos poucos, até essas memórias se perdem nas brumas de Gelsenkirchen.
É verdade que nesses anos todos, vez por outra, o time dava um respiro, levantando a Copa da Alemanha ou participando com galhardia de um torneio europeu – como em 1997, quando arrebatou a Copa da UEFA. Fora isso, nada de novo debaixo do raro sol da pequena cidade do Vale do Ruhr.
Para compensar os perenes fracassos na Bundesliga, a fiel torcida até elegeu uma disputa como sendo mais importante – o confronto com o arquirrival vizinho Borussia Dortmund –, visando ter um motivo de festa. Uma vitória sobre os aurinegros no jogo conhecido como "mãe de todos os dérbis" é considerado tão ou mais valioso quanto levantar a salva de prata, símbolo maior do título de campeão alemão. Incrível, mas verdadeiro.
A intempestiva demissão do técnico David Wagner, decorridas apenas duas rodadas da nova temporada, escancara de vez os sérios problemas do clube que, diga-se de passagem, extrapolam o departamento esportivo. O buraco é mais embaixo.
Os problemas que o Schalke criou para si mesmo durante os últimos anos não são de fácil solução. Uma excessiva dependência financeira do seu ex-presidente e empresário bilionário Clemens Tönnies, que, quando necessário, injetava muito dinheiro nas combalidas finanças do clube, escamoteou durante muito tempo a precária situação do Schalke. Basta dizer que os últimos financiamentos obtidos junto à rede bancária foram para garantir o pagamento das contas do dia a dia. Ou seja – o clube luta pela sobrevivência.
Agora o tradicional Schalke da massa não pode mais contar com seu maior mecenas dos últimos anos, mesmo porque o grupo empresarial de Tönnies está em crise. O problema dos azuis reais é institucional, como muito bem aponta o jornalista Leandro Stein do site Trivela: "Teve uma gestão que deixou as contas no vermelho mesmo com um elenco deficiente e que perdeu diversos talentos de graça durante os últimos anos. O presidente Clemens Tönnies até caiu em junho, por uma série de casos deploráveis que iam de declarações racistas à exploração dos funcionários em seus negócios."
Durante décadas, Tönnies foi uma espécie de ativo fixo no Schalke, sem o qual nada andava no clube e nada indica que o bilionário volte à direção para, mais uma vez, bancar o salvador da pátria azul real. Para a torcida raiz, o ex-presidente se tornou persona non grata. Sua presença nas dependências da Veltins Arena é indesejável. Na partida contra o Bayern, esteve na tribuna VIP da Allianz Arena em Munique, fato que provocou um shitstorm nas redes sociais.
A saída de David Wagner, por sua vez, se impunha pelo acúmulo de péssimos resultados. Nenhum técnico sobrevive impune a 18 jogos sem vitória, seis pontos, 49 gols sofridos e apenas oito gols marcados. Acrescente-se a segunda pior sapatada sofrida na história – aquela do 8 x 0 – assim como o pior início de uma temporada, e fica explicada a demissão do treinador.
Só que essa demissão, a rigor, não resolve nenhum problema. A situação financeira do clube não permite a contratação de um técnico como Ralf Rangnick, por exemplo, pelo alto custo envolvido. A diretoria do clube precisa encontrar alguém que possa, com os parcos recursos humanos disponíveis, formar uma equipe que domine minimamente os fundamentos do futebol moderno.
Jochen Schneider, principal executivo do clube, espera poder apresentar o sucessor do infeliz Wagner "já nos próximos dias" e assim dar início à renovação, cujo objetivo seria posicionar o Schalke novamente na prateleira de cima do futebol alemão.
O mais provável, porém, é que os resultados na atual temporada sejam mais modestos. Permanecer na primeira divisão com o atual elenco, por exemplo, já poderá ser considerado um feito e tanto.
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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Desde 2002, atua nos canais ESPN como especialista em futebol alemão. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças. Siga-o no Twitter, Facebook e no site Bundesliga.com.br