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Filha de vítima espera justiça no julgamento de grupo neonazista

Andrea Grunau (mas)3 de maio de 2013

O pai dela foi vítima dos assassinatos do grupo neonazista NSU, em abril de 2006. Às vésperas do julgamento, Gamze Kubasik fala sobre os horrores do passado e de suas esperanças para o futuro.

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Gamze KubasikFoto: picture-alliance/dpa

Uma multidão se aglomerava em frente à loja de Mehmet Kubasik no começo da tarde do dia 4 de abril de 2006. A filha dele, Gamze Kubasik, estava a caminho da loja para substituir seu pai no turno da tarde. No entanto, ela se deparou com carros de polícia, ambulâncias, luzes e sirenes que bloqueavam as quatro pistas da rua no norte da cidade de Dortmund. Uma faixa branca e vermelha bloqueava a entrada da loja. Gamze foi impedida de entrar por um policial.

Na manhã daquela terça-feira, Gamze, então com 20 anos, havia acordado o pai bem cedo para dizer que levaria o irmão mais novo, Mert, ao jardim de infância, assim o pai poderia dormir um pouco mais. Ela se emociona ao relembrar aquele dia. "Ele disse: 'Obrigado por me avisar, minha filha'", lembra Gamze. "Foi a última vez que o vi."

Mehmet Kubasik viveu na Alemanha por uma década e meia. Ele era turco de origem curda e alevita. Como parte de uma minoria religiosa, não se sentia mais seguro vivendo no sudeste da Anatólia no final da década de 1980. Ele conseguiu asilo para viver em Dortmund. Em 2003, os membros da família Kubasik se tornaram cidadãos alemães. Mehmet sempre defendeu seu novo país, conta a filha. A Alemanha é um país democrático, "assim como meu pai".

Gamze Kubasik Tochter des NSU Mordopfers Mehmet Kubasik
Gamze Kubasik com o pai e irmãos em DortmundFoto: privat

Morto com tiros na cabeça

Os assassinos entraram na loja entre o meio-dia e as 13h. Com uma pistola da marca Ceska, que já havia sido usada para matar outros sete homens, o assassino disparou diversas vezes contra Mehmet Kubasik, que estava atrás do balcão. Dois tiros atingiram a cabeça, jogando o dono da loja contra a prateleira ao fundo, de acordo com o relatório de 2007 da polícia do estado de Baden-Württemberg, ao qual a Deutsche Welle teve acesso.

Faz sete anos que Mehmet morreu, mas seu assassinato ainda assombra a vida da família Kubasik. Recentemente a mãe da família, Elif Kubasik, entrou em pânico ao notar que estava sendo seguida por dois homens, que ela pensou serem neonazistas, disse Gamze, durante depoimento à DW em seu apartamento em Dortmund. Pouco antes do assassinato, dois homens haviam sido vistos observando a loja de Mehmet.

Gedenkstein für NSU-Opfer in Dortmund
Elif Kubasik durante evento em memória das vítimasFoto: picture-alliance/dpa

A filha conta também ter "frequentes ataques de pânico", mas tenta se manter forte. A jovem de 27 anos quer estar preparada para o julgamento dos membros da Clandestinidade Nacional-Socialista (NSU, na sigla em alemão) no Tribunal Regional de Munique, marcado para começar esta segunda-feira (06/04). Ela quer ver pessoalmente Beate Zschäpe e os outros acusados. "Se eles forem realmente seres humanos, não conseguirão suportar o olhar das famílias das vítimas diretamente em seus olhos", diz Gamze.

Ela quer justiça para seu pai, mas também que evitar que outras famílias passem pelo sofrimento que as famílias dela e de outras nove vítimas da NSU passaram. Por isso, em fevereiro de 2012, Gamze discursou, diante de 1.200 pessoas, num evento em Berlim ao lado de Semiya Simsek, filha da primeira vítima da NSU, Enver Simsek. Na ocasião, a chanceler federal Angela Merkel se desculpou pelos anos de suspeitas contra as vítimas e suas famílias. As suspeitas só chegaram ao fim em novembro de 2011, com o aparecimento de um vídeo no qual a NSU assume a autoria dos crimes.

NSU-Opfer Berlin Gedenkveranstaltung Februar 2012
Semiya Simsek e Gamze Kubasik em Berlim, em fevereiro de 2012Foto: picture-alliance/dpa

Falsas acusações

Elif e Gamze Kubasik foram interrogadas separadamente por seis horas após o assassinato de Mehmet. Elas ficaram chocadas com as perguntas com que foram bombardeadas. Os policiais perguntaram se o esposo e pai usava ou traficava drogas, se estava envolvido com a máfia ou com o proibido Partido dos Trabalhadores Curdos. A polícia revistou o apartamento da família com cães, desmontou o carro de Mehmet e recolheu amostras de saliva de Gamze e de seus irmãos. Nada foi encontrado. Quando Gamze sugeriu que membros da extrema-direita seriam responsáveis pela morte do pai, a polícia disse que não havia nenhuma evidência.

Dois dias depois da morte de Mehmet Kubasik, Halit Yozgat, de 21 anos, levou um tiro da mesma pistola Ceska em Kassel. A mídia noticiou a suspeita dos investigadores de que as vítimas poderiam estar envolvidas em negócios ilegais. Gamze caiu em "um grande buraco negro" quando as pessoas começaram a comentar o caso em Dortmund. Ela não tinha como provar que seu pai era inocente.

"Seu pai não precisava ter morrido"

Os Kubasik contataram a família Yozgat, que não queria se calar a respeito do assassinato de seu filho. Associações em Kassel organizaram uma passeata intitulada "Não ao décimo assassinato", em maio de 2006, que reuniu cerca de duas mil pessoas. Lá, Gamze conheceu Semiya Simsek e elas se tornaram amigas. Na época Semiya disse: "Seu pai não precisava ter morrido".           

Neonazi Mord an Kioskbesitzer in Dortmund 2006
Policiais na cena do crime em Dortmund, em 4 de abril de 2006Foto: picture-alliance/dpa

Em novembro de 2011, Gamze recebeu uma ligação de uma amiga, que dizia ter visto na televisão que haviam encontrado as pessoas que mataram seu pai, mas que elas estavam provavelmente mortas. Gamze tentou avisar sua mãe, mas ela chorava tão nervosamente que teve que se acalmar antes de conseguir falar.

Só então, ela percebeu o fardo que havia carregado todos esses anos. Ela ficou aliviada que os rumores envolvendo seu pai haviam sido esclarecidos. Embora ela suspeitasse que extremistas de direita houvessem assassinado seu pai, ficou chocada quando constatou que pessoas poderiam ser realmente mortas "simplesmente por terem cabelo preto, uma aparência diferente ou outra religião".

"O quão seguros estamos neste país?"

Gamze ficou chocada e com raiva pelos erros ocorridos durante a investigação e com o Departamento Federal de Proteção da Constituição, o órgão de investigação do Estado alemão encarregado de vigiar pessoas suspeitas de atentar contra a democracia. A destruição de importantes provas foi apenas um dos erros. Ela não consegue entender como algo assim pôde acontecer, já que Merkel havia garantido, em Berlim, que tudo seria feito para a resolução dos assassinatos. Como membro da família de uma vítima, ela se pergunta: "o quão seguros estamos neste país?".

Gamze Kubasik Tochter des NSU Mordopfers Mehmet Kubasik
Gamze Kubasik quer justiçaFoto: DW/A. Grunau

Mesmo sabendo que o julgamento ainda pode deixar questões não respondidas, ela e seu advogado querem lutar pela verdade e justiça. Ela quer o apoio de Merkel e do presidente alemão Joachim Gauck. O fato de o tribunal em Munique ser muito pequeno para acomodar todos os jornalistas e interessados no caso dá a ela a impressão "que as pessoas querem tirar a importância do julgamento".

Após seu casamento, Gamze viveu por seis meses na Turquia com o marido, mas eles decidiram voltar. "A Alemanha é minha casa", disse ela, "eu sou alemã e não vou deixar as pessoas tirarem isso de mim ou da minha família. Esse país pertence a todos nós e não aos neonazistas".