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Faroeste Caboclo Brasil, um país de cabeça para baixo

Thomas Milz
Thomas Milz
8 de novembro de 2022

Após a derrota nas urnas, Bolsonaro finalmente aderiu ao "fique em casa", e Lula parece já ter assumido a Presidência. Enquanto isso, bolsonaristas rezam contra o comunismo e clamam por uma intervenção militar.

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Em protesto contra a derrota de Jair Bolsonaro diante de quartel militar em São Paulo, manifestante segura cartaz com as palavras "não ao comunismo", em 3 de novembro de 2022
Protesto contra a derrota de Bolsonaro diante de quartel militar em São PauloFoto: Matias Delacroix/AP/picture alliannce

Jair Messias Bolsonaro não quer mais ser presidente do Brasil. Já rompeu o casamento com a pátria amada que não o reelegeu. A decepção foi grande demais: enquanto o "datapovo" lhe deu 70%, nas urnas só 49% declaram seu amor ao presidente. Depois de 30 anos ganhando todas as eleições que disputava, finalmente perdeu a primeira. E como já cantou Cat Stevens: "The first cut is the deepest" (O primeiro corte é o mais profundo).

Agora, em vez de administrar o país que não o quer mais, Bolsonaro finalmente aderiu ao movimento "fique em casa" e deixou o governo nas mãos do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Justo, pois Lula, ao contrário de Jair Messias, está com muita garra e vontade para governar. Mesmo com tantos problemas pela frente. Assim, Lula já está tentando tampar os rombos que Bolsonaro e seu Posto Ipiranga deixaram no orçamento do ano que vem. Estima-se que faltem até R$ 400 bilhões.

Aliás, eu queria muito ouvir dos "Faria Limers" de São Paulo o porquê de terem preferido a "dupla fura teto de gastos" Bolsonaro e Paulo Guedes. Política econômica responsável com certeza não foi.

Por que Bolsonaro não se comporta como presidente?

Lula, dez anos mais velho que Bolsonaro e sem o "passado de atleta" do capitão, ainda tem fôlego suficiente para viajar para a Conferência do Clima. Lula tem pressa para tirar o Brasil do status de pária global. Faz bem. O combate às mudanças climáticas não pode esperar, é importante demais. Dizem que Bolsonaro ficou furioso, chamando Lula de usurpador por comparecer à cúpula climática.

Lula quer vestir a faixa presidencial antes de tomar posse em janeiro, teria reclamado Bolsonaro, dizendo: "Ainda sou o presidente, porra!" Resta saber por que não age como tal. Por que, então, não vai à COP27? E por que não orienta seus apoiadores que estão há uma semana se manifestando em frente a quartéis e bloqueando rodovias? Fale para eles que sua equipe aceitou a derrota e está cooperando com a transição de governo!

Liberte esse povo seu, que está, de verde e amarelo, rezando para Deus salvar a pátria dos comunistas e clamando por uma intervenção militar. Não querem mais viver numa democracia onde o candidato deles perdeu. Mostre o caminho para eles, Messias. 

Em Novo Progresso, Pará, manifestantes atiraram em agentes e viaturas da Polícia Rodoviária Federal, forçando os agentes a fugir. No mesmo dia, manifestantes que fizeram um bloqueio na BR-470 em Rio do Sul, Santa Catarina, atacaram policiais com barras de ferro. Sorte dos manifestantes que não pertencem ao MST!

O universo paralelo da extrema direita

Vivemos em tempos estranhos, nos quais a extrema direita ataca a ordem constitucional, enquanto a esquerda tenta defendê-la. Parece-me que o mundo está de cabeça para baixo. O Brasil entrou na mesma rota que os Estados Unidos, com a extrema direita se afastando da lógica para mergulhar num mundo paralelo. Nesse limbo do TikTok, em que Lady Gaga se transforma numa "ministra Stefani Germanotta" e está liderando uma eventual intervenção federal. 

Dizem que a deputada Carla Zambelli, do PL, teria informado a tal ministra sobre as fraudes eleitorais no Brasil. No último fim de semana, Zambelli estava participando de um evento de "resistência civil" com o chamado SOS Brasil em Miami. Zambelli está lá, segundo ela, para "pedir ajuda às autoridades dos Estados Unidos para assegurar a liberdade de expressão no Brasil".

É a mesma Zambelli que há poucos dias estava perseguindo, de arma em punho, um petista pelas ruas de São Paulo, supostamente depois de ter sido xingada por ele.

Enquanto isso, o vice-presidente e senador eleito Hamilton Mourão se diz "atento e preocupado", pois "96 milhões não votaram no Lula". O quê? Explico: ele alega que dos 156 milhões de eleitores, só 60 milhões votaram no Lula. E daí? Alguém falou para o Mourão que 98 milhões não votaram no Bolsonaro?

Aliás, Mourão foi eleito senador pelo Rio Grande do Sul com 2,5 milhões de votos. Como o estado tem mais de 8,5 milhões de eleitores, 6 milhões não votaram nele. Devemos ficar preocupados, senador?

Temos anos difíceis pela frente. A força do universo paralelo é grande.

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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

Thomas Milz
Thomas Milz Jornalista e fotógrafo
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Realpolitik

Depois de uma década em São Paulo, Thomas Milz mudou-se para o Rio de Janeiro, de onde escreve sobre a política brasileira sob a perspectiva de um alemão especializado em Ciências Políticas e História da América Latina.