"Estrela de judeu", símbolo de discriminação e morte
1 de setembro de 2016Em sua origem, a estrela de Davi não representa um estigma nem é um símbolo exclusivamente judeu. No entanto, desde a época do nazismo na Alemanha, a insígnia de seis pontas passou a ser associada ao Holocausto.
Com as Leis Raciais de Nurembergue, de 1935, os judeus passaram a ser cada vez mais excluídos da vida social na Alemanha. A legislação estipulava meticulosamente quem era judeu puro, meio-judeu, mestiço judeu de primeiro ou segundo grau, ou "suposto judeu" (Volljude, Halbjude, jüdischer Mischling ersten oder zweiten Grades, "Geltungsjude"). Mais tarde, a maioria deles seria obrigada a usar uma estrela amarela no peito.
"Tornar o inimigo interno visível"
Já antes da guerra, Reinhard Heydrich, chefe do Departamento Central de Segurança do Reich, especulava como os "inimigos internos" da Alemanha poderiam se tornar "visíveis para todo o mundo".
Pouco depois daNoite dos Cristais, em novembro de 1938, quando em toda a Alemanha sinagogas foram incendiadas e lojas de propriedade judaica foram depredadas, Heydrich escreveu: "Todo judeu nos termos das Leis de Nurembergue deve usar um determinado distintivo. Essa é uma possibilidade que facilita bastante muitas outras coisas."
Para o regime nazista, mais tarde a medida facilitaria sobretudo a localização dos judeus e sua deportação para campos de concentração, e não só na própria Alemanha.
O decreto foi assinado por Reinhard Heydrich, chefe do Escritório Central de Segurança do Reich e organizador do assassinato em massa de judeus europeus, em 1º de setembro de 1941, e entrou em vigor no dia 19 do mesmo mês.
Já no início da guerra, em setembro de 1939, impusera-se aos judeus na Polônia ocupada que usassem uma braçadeira branca com a estrela, na época ainda azul. À medida que a campanha de ocupação territorial avançava, os nazistas levaram para outros países a rotulagem obrigatória da população judaica.
De início, Hitler hesitou
Antes da guerra, o regime ainda se mostrava reticente. Em 1937, constatava-se uma hesitação tática mesmo de Adolf Hitler, ao declarar diante de funcionários do Partido Nacional-Socialista (NSDAP): "O problema da identificação já está sendo continuamente considerado há dois, três anos e, de um modo ou de outro, um dia será posto em prática, é claro. [...] É preciso agora ter o faro para perceber: 'O que eu posso fazer, o que não posso?'"
Àquela altura, para fora o ditador ainda se mostrava aberto a concessões, obviamente temendo uma reação internacional forte. Contudo, depois do início da guerra, as inibições se foram. Em 1941 o ministro da Propaganda, Josef Goebbels, sugeriu novamente a Hitler a identificação dos judeus, recebendo a permissão para tal em meados de agosto.
Em 1° de setembro de 1941 entrava em vigor a nova portaria policial. Ela especificava detalhadamente: "A estrela pintada de preto sobre um fundo de tecido amarelo, do tamanho de um pires de mão, com o dizer 'Jude' [...], deverá ser portada de forma visível, costurada sobre o peito esquerdo da vestimenta."
A portaria valia para todos os cidadãos judeus nos termos das Leis de Nurembergue, a partir de 6 anos de idade, os quais, a partir daí, estavam proibidos de "se mostrar em público sem a estrela judaica". Quem tentasse esconder a Judenstern sob uma pasta, a lapela do casaco ou um cachecol, por exemplo, estava sujeito a punições severas por parte da Gestapo, que monitorava rigorosamente o uso visível do estigma.
Também residências foram marcadas
A portaria também proibia judeus de exibirem ordens ou outras distinções e, mais além, de deixar os bairros em que residiam sem autorização policial.
A portaria foi também mais um passo no processo de guetização, que já havia sido iniciado em 30 de abril de 1939, com a lei para o aluguel de residências para judeus.
Proprietários "arianos" poderiam encerrar contratos de aluguel com judeus de forma imediata e sem apresentar justificativas, desde que houvesse uma outra residência disponível. Ao mesmo tempo, a lei obrigava judeus que tivessem espaço dentro de casa a receber judeus que ficassem sem um teto.
O resultado foi o surgimento das chamadas Casas de judeus (Judenhäusern). Cada mudança de residência foi minuciosamente registrada, com a ajuda forçada da própria comunidade judaica. A partir de 1° de abril de 1942, as residências passaram a ser marcadas com uma "Estrela de judeu".
Preâmbulo para o Holocausto
A situação era desesperadora para os afetados. O filólogo e autor Victor Klemperer (1881-1960), embora viesse de família judia, se convertera ao protestantismo desde a Primeira Guerra. Mas isso não interessava aos nazistas: para eles, Klemperer era judeu. Em 1935, o especialista em línguas latinas perdeu sua cátedra em Dresden.
Ao ser obrigado a usar a estrela, ele escreveria em seu hoje célebre diário: "Ontem, quando Eva costurou a estrela judaica, um ataque de desespero alucinado em mim. Os nervos de Eva também estão nas últimas. [...] Eu próprio me sinto arrasado, não encontro equilíbrio."
Em 2013, a sobrevivente do Holocausto Ingre Deutschkron lembrou em cerimônia comemorativa no Parlamento alemão: "A maioria dos alemães com quem eu me deparava nas ruas de Berlim desviava o olhar quando percebia que eu usava a estrela, ou olhava através de mim, a estigmatizada, ou virava o rosto. [...] Sem dúvida, a estrela criou um isolamento discriminador para nós." Isolamento, discriminação, mas também controle.
A identificação por meio da estrela amarela era apenas o preparativo para o que os nazistas chamaram de "a solução final da questão judaica": o extermínio. Além do uso da insígnia, os judeus passaram a não poder mais deixar seus bairros sem permissão policial.
Assim se formou uma organização perfeita para o Holocausto. Não por acaso, em outubro de 1941, um mês apenas após a entrada em vigor da portaria, começava a deportação para os campos de extermínio. Victor Klemperer e Inge Deutschkron sobreviveram – milhões de outros, não.