Pina Bausch e o Brasil
2 de julho de 2009Quem teve oportunidade de assistir à pré-estreia de Água em 12 de maio de 2001 no Tanztheater Wuppertal, saiu de lá com a impressão de que o Brasil é mesmo uma terra de milagres. As duas horas e meia do espetáculo, que Pina Bausch concebeu como forma de expor sua versão singular do país, pareciam resgatar a polêmica ideia defendida pelo escritor austríaco Stefan Zweig de que o Brasil seria o país do futuro. Só que tinham com um poder de convencimento muito maior.
Os 20 bailarinos que participavam da montagem, que tinha a brasileira Regina Advento como um dos principais destaques, contavam de maneira apaixonante e com preparo físico de intensidade olímpica por que os brasileiros têm tanta facilidade em acreditar nas coisas, por mais complexa que seja sua realidade cotidiana. Água é um espetáculo lúdico e encantador, que tem no cenário e nos vídeos de Peter Pabst a mais perfeita base para as interpretações coreográficas do corpo de dança alemão.
Ainda sem nome
Na primeira noite em que foi apresentado no palco, o 36° espetáculo de Pina Bausch ainda não tinha nome, era apenas Uma peça de Pina Bausch. As 745 poltronas da Schauspielhaus estavam todas ocupadas. Quando, dos alto-falantes do teatro, começou a soar a versão de Bob Brookmeyer para A Felicidade, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, tinha-se a impressão de que a plateia já havia sido cativada.
A música escolhida para o repertório de Água não ficou restrita a composições brasileiras. Seus temas iam do bardo Tom Waits de Walk Away até The Wind, de P.J. Harvey, além de Ike Quebec, Bugge Wesseltoft e Kenny Burrel. Mas as mais impactantes eram mesmo as canções assinadas por Carlinhos Brown, Tom Zé, Baden Powell e Bebel Gilberto, assim como a belíssima Lady Multimelancólica, de Ivan Santos, músico paraibano radicado na Alemanha, em interpretação da dupla brasileira Rosanna (Tavares) e Zélia (Fonseca).
O humor também reinou em diversas passagens. Como quando um dos bailarinos circula pelo palco proferindo, em alemão, uma série de palavras no diminutivo, como “sofazinho”, “beijinho”, “fernandinho” e “oizinho”: um precioso flagrante do olhar de Pina Bausch sobre a ternura do “dialeto” brasileiro.
Admiração de Caetano Veloso
O cantor e compositor baiano Caetano Veloso foi provavelmente um dos que mais chamou a atenção do Brasil para a arte de Pina Bausch, chegando a gravar a marchinha carnavalesca Dama das Camélias, de Braguinha e Alcir Pires Vermelho, em tributo à coreógrafa em seu álbum Omaggio a Federico e Giulietta, de 1999. Os dois eram bons amigos e a admiração mútua sempre foi comentada na imprensa.
Na ocasião em que Caetano esteve em Wuppertal, em 14 de outubro de 2001, atuando como um dos principais convidados de Pina Bausch no festival internacional de cultura organizado por ela, o baiano contou como conheceu a amiga:
"Pessoas ligadas ao ambiente de teatro e de dança falavam muito nela quando se referiam ao Gerald Thomas, dizendo que ele tinha muita influência de Pina. Quando Gerald voltou para o Brasil e começou a dirigir suas peças, fui assistir a quase todas, mas não achei isso, não. Achei Pina Bausch parecida com o Trate-me Leão [obra do grupo teatral carioca Asdrúbal Trouxe o Trombone, que tinha Perfeito Fortuna e Regina Casé como integrantes]".
Quando Pina Bausch esteve no Brasil, estudando a cultura brasileira para criar Água, passou por São Paulo e Bahia. Caetano foi um de seus cicerones: "Em São Paulo, saímos juntos, fomos ao forró e Pina ficou dançando até de manhã. Depois ela foi para Salvador e ficou uma semana por lá. Eu fiquei com uma dor no coração porque tinha muitos espetáculos para fazer e não podia acompanhá-la na Bahia. Ela simplesmente adorou a cidade. No catálogo do festival dela, tem fotos muito bonitas do Candeal, com os meninos do Lactomia, de Carlinhos Brown".
No show que fez no festival de Pina Bausch, Caetano se apresentou sozinho. Mas o grande momento da noite deveu-se a um comentário que o músico fez a Peter Pabst na época da primeira montagem de Masurca Fogo em São Paulo. Caetano tinha imaginado que cantava Garota de Ipanema na cena em que as bailarinas do espetáculo apareciam deitadas sobre um rochedo do cenário.
Resultado: o coreógrafo topou com entusiasmo a sugestão involuntária do baiano e, quando este começou a cantar Garota de Ipanema no teatro em Wuppertal tempos depois, as meninas de Pina subiram ao palco para se banhar ao sol nas pedras do cenário. A platéia foi ao delírio, e Caetano foi com ela.
Autor: Felipe Tadeu
Revisão: Rodrigo Abdelmalack