Tanztheater vive
1 de julho de 2009Homens e mulheres perambulando por entre os móveis dispersos de um café. A jovem seminua que baila até o esgotamento físico e emocional em A sagração da primavera. Um palco transformado em campo de cravos. O dançarino de terno que traduz para a linguagem de gestos a canção The man I love. A outra se maquiando, como se nada houvesse acontecido, depois de um homem lhe derramar um jarro d'água sobre a cabeça.
Quem viu, jamais esquecerá. Foram imagens como que recortadas diretamente do inconsciente: inexplicáveis, mas que permitiam, num átimo, entender melhor o mundo, as relações entre os seres humanos. Imagens de uma lógica desconcertante como um quadro de Magritte, implacavelmente ternas como uma frase de Beckett, pungentes como uma ária de Bach. Quem sabe, sonhos dançados.
Instada certa vez a analisar seu imaginário, Pina Bausch declarou-se incapaz de fazê-lo: não saberia explicar sua visão melhor com palavras do que com aquilo que mostrava no palco. Sabedoria e modéstia raras no contexto da arte contemporânea, em que o programa pode resultar bem mais interessante do que a obra em si, em que a leitura da bula substitui o remédio.
Viva o Tanztheater
Pina Bausch faleceu neste 30 de junho de 2009. Fazia apenas cinco dias que recebera o diagnóstico de câncer, duas semanas e meia antes estreara mais uma Neues Stück, o nome genérico que dava a suas novas criações. No próximo 27 de julho completaria 69 anos de idade.
A julgar pelas declarações das administrações de Wuppertal e do estado da Renânia do Norte-Vestfália, o Tanztheater Wuppertal deverá ser mantido. Há quem se referisse à casa de espetáculos – que ela dirigiu e alimentou com imagens e trabalho ininterrupto desde 1973 – como "Colina Verde do Teatro-Dança", numa alusão a Bayreuth, meca do culto a Richard Wagner.
Inimitável, ainda que copiada
Nesses 36 anos, não só realizou, ao lado de sua companhia internacional, numerosos projetos de teatro-dança e ópera por todo o mundo, como inspirou outros criadores em diversos campos artísticos. Basta pensar na enigmática aristocrata cega que interpretava no filme E la nave va (1983), de Federico Fellini. Em 2002, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar também incluiu uma coreografia de Bausch em Fale com ela.
O Deutscher Bühnenverein, associação dos palcos alemães, lhe concederá postumamente o prêmio Faust, "uma homenagem a seu maravilhoso trabalho artístico". A cidade de Wuppertal colocou online um livro de condolências para sua representante artística máxima.
Outras homenagens à coreógrafa e dançarina alemã, tão premiada em vida, certamente se seguirão. Inclusive as tentativas de seguidores, discípulos, epígonos e imitadores de dar continuidade à estética bauschiana. Magro consolo para a extinção, tão súbita e definitiva, da fonte de onde jorravam todas aquelas imagens mágicas.
Autor: Augusto Valente
Revisão: Roselaine Wandscheer