Abuso na Igreja
4 de abril de 2010Na Alemanha, bispos luteranos e católicos reiteraram durante a Páscoa o repúdio aos casos de abuso de menores praticado dentro de instituições católicas ao longo de décadas e que, recentemente, chegaram ao conhecimento público.
As mensagens de inúmeros sacerdotes durante as missas neste domingo (04/04) fizeram menções diretas ao escândalo que abala a Igreja católica na Alemanha e em outros países europeus.
Os apelos dos bispos cristãos revelam posturas diversas em relação ao papel da Igreja diante do fato que pode ameaçar sua credibilidade. Enquanto uns encaram a revelação dos crimes cometidos dentro de instituições católicas como uma chance para a Igreja repensar suas estruturas, outros tendem a destacar a culpa individual nos casos de abuso, eximindo a Igreja de uma responsabilidade coletiva.
Esperança de ressurreição da Igreja
O presidente da Conferência dos Bispos da Alemanha, Robert Zollitsch, considera a atual crise um recomeço. "Os crimes execráveis, as faces obscuras da Igreja e também a escuridão dentro das pessoas têm que ser observados de perto", apelou o arcebispo de Freiburg em sua mensagem de Páscoa. Zollitsch também estimulou os católicos a se engajarem em sua crença, apesar do impacto dos escândalos.
Um "crime odioso" é como o bispo católico de Rottenburg-Stuttgart, Gebhard Fürst, qualificou o abuso sexual de menores por parte de padres e membros das ordens religiosas. Para ele, a denúncia desses crimes deveria servir de impulso para todos "ressuscitarem para uma vida íntegra e para a salvação de almas feridas".
Para além da mera mensagem moral cristã, a advertência do encarregado católico para casos de abuso, Stephan Ackermann, bispo de Trier, não deixa de ter um senso pragmático. Ele fez um apelo para que a compreensão do significado da Páscoa motive as pessoas a agir. Essa ação teria como pressupostos "o respeito ao mistério da vida e à dignidade dos outros, sobretudo a dos mais fracos".
Para o arcebispo da Baviera, Johannes Friedrich, o mais chocante é o fato de que as vítimas eram crianças e de que o abuso ocorreu dentro de instituições da Igreja. "Esses atos terríveis têm um peso ainda maior por terem ocorrido dentro da Igreja. Afinal, as pessoas têm razão de esperar que a Igreja respeite as crianças como criaturas amadas por Deus e faça tudo para proteger sua vida." Friedrich assegurou que se empenhará pelo esclarecimentos das denúncias na sua arquidiocese.
Já o arcebispo de Munique, Reinhard Marx, atribui o problema à falta de responsabilidade individual, exigindo uma renovação das igrejas e da sociedade. Para ele, os recentes escândalos na economia, na sociedade e na Igreja se devem à irresponsabilidade de muitas pessoas isoladas. "Uma sociedade democrática livre só terá futuro se cada um assumir sua responsabilidade", declarou Marx.
Por um julgamento penal regular
O presidente do Conselho da Igreja Luterana na Alemanha, Nikolaus Schneider, advertiu que o interesse das vítimas deve prevalecer. Ele fez um apelo para que a Igreja não descarte as denúncias como inofensivas e ajude as vítimas. Schneider também considera importante facilitar os meios para que as pessoas que sofreram abuso sejam motivadas a contar sua experiência e aceitem ajuda terapêutica.
Quanto aos religiosos culpados por abusos, o líder luterano aconselha um processo penal regular. A Igreja não pode se dar ao luxo de assumir sozinha o esclarecimento dos casos; para tal, seria necessário um julgamento normal pela Justiça do país, com base no qual a Igreja poderia então que aplicar suas próprias medidas disciplinares. Schneider rejeita um direito penal eclesiástico paralelo à Justiça.
Em suas críticas, o religioso luterano ressaltou que não se trata de um antagonismo com os católicos. Para ele, a Igreja luterana e a católica representam uma comunidade cristã única. Afinal, o impacto do escândalo de abusos sobre a opinião pública mostra que não se costuma distinguir entre as duas grandes Igrejas cristãs alemãs, declarou ele.
Católicos irlandeses na mira dos protestantes
Ao contrário do que tende a acontecer na Alemanha no momento, escândalos semelhantes na Irlanda e no Reino Unido já chegaram a gerar contenda entre católicos e protestantes. Durante a Páscoa, o líder da Igreja anglicana britânica criticou os católicos com palavras drásticas.
Numa entrevista à emissora britânica BBC, o arcebispo de Canterbury, Rowan Williams, declarara que a Igreja católica na Irlanda perdera "toda a credibilidade" por causa dos escândalos de abuso. Posteriormente, Williams retirou a acusação e declarou "seu profundo arrependimento pelas dificuldades que causou" devido à sua posição.
Na Irlanda, onde inúmeras denúncias de abuso sexual de menores dentro de instituições católicas vieram a público nas últimas semanas, os sacerdotes aproveitaram a Páscoa para condenar veementemente esses crimes.
Ao longo da data, o Vaticano também refutou a acusação de que o papa Bento 16 tenha protelado por anos a punição de Michael Teta, um padre pedófilo de Tucson, no estado norte-americano do Arizona.
De acordo com relatos da mídia nos Estados Unidos, quando Joseph Ratzinger era responsável pela respectiva congregação, adiou durante anos o processo em questão, apesar dos pedidos do bispo de Tucson.
Segundo o Vaticano, a demora entre a sentença de primeira instância e a condenação de Michel Teta em processo eclesiástico ocorreu porque a Igreja estava reformulando sua regulamentação jurídica naquela época.
Além disso, Ratzinger teria transferido a responsabilidade do caso para a congregação local em 2001, explicou o Vaticano, informando que, apesar de Teta ter perdido o título religioso somente em 2004, ele já havia sido suspenso de suas atividades em 1990.
Em sua mensagem de Páscoa, o papa Bento 16 conclamou os católicos a uma renovação espiritual e moral, sem ter mencionado contudo o escândalo de abusos sexuais e a violência contra menores.
O jornal do Vaticano Osservatore Romano acusou a mídia internacional de difundir uma "propaganda grosseira contra o papa e os católicos". Para arcebispo de Paris, André Vingt-Trois, por exemplo, as acusações de negligência contra as autoridades eclesiásticas nos casos de abuso sexual dentro da Igreja não passam de uma "ofensiva para desestabilizar o papa".
SL/afp/dpa/epd/kna
Revisão: Nádia Pontes