"Enfrento uma ditadura na Rússia"
1 de junho de 2015Em 27 de fevereiro, o ex-vice-primeiro-ministro russo Boris Nemtsov foi assassinado enquanto caminhava por uma ponte perto do Kremlin, em Moscou. A morte de uma das principais vozes críticas ao presidente Vladimir Putin levantou suspeitas de que esconderia motivação política.
Na época, Putin prometeu levar os responsáveis à Justiça. Mais de três meses após o crime, porém, Zhanna Nemtsova, filha de Nemtsov, diz que as investigações ocorrem de forma lenta, justamente por falta de vontade política.
Em entrevista à DW, ela diz que a Rússia vive sob uma ditadura e que o Kremlin não só proibiu uma placa em homenagem a seu pai no local do assassinato, como também impede que ela tenha acesso a arquivos e informações sobre as investigações do crime.
Deutsche Welle: Pela lei, como parte afetada pelo caso, você tem direito a acessar os arquivos da investigação. Existe alguma coisa que os jornalistas ainda não saibam?
Zhanna Nemtsova:Não é tão simples como você pensa. O ex-investigador Igor Krasnov realmente havia me prometido mostrar todo o material, incluindo imagens de vídeo. Mas agora ele foi substituído. E o novo investigador não quer me conceder o acesso a todos os arquivos.
Você disse a repórteres que o governo russo e o próprio presidente Vladimir Putin têm responsabilidade política pelo assassinato de Boris Nemtsov...
Em primeiro lugar, o mais famoso representante da oposição e crítico de Putin foi morto na Rússia. Segundo: vemos como são lentas as investigações, que requerem uma vontade política que não existe. Além disso, existem alguns detalhes menos importantes que indiretamente sugerem uma responsabilidade política. Por exemplo, após o assassinato de meu pai, a emissora estatal apresentou mais um daqueles programas imundos sobre ele, porque mais de 50 mil pessoas participaram de sua marcha fúnebre – alguns até dizem que foram 100 mil. Uma placa em homenagem a ele na cena do assassinato foi proibida, assim como um concerto em sua memória.
Seu pai foi uma vez indagado se seus pontos de vista mudaram nos últimos 20 anos. Ele respondeu que não. E os seus? Em 2009, você manifestou uma opinião relativamente positiva sobre Putin.
Não vamos confundir pontos de vista com percepção. Pontos de vista podem continuar os mesmos, mas percepções podem mudar. Minhas opiniões não mudaram: eu sempre fui contra a ditadura. Isso provavelmente corre em meu sangue. Não quero um país repressor, porque isso torna a vida estressante. Não há perspectivas de desenvolvimento humano integral num Estado repressor: só vejo declínio intelectual, nada mais. Aliás, nunca votei no Putin. E desde o início eu fui contra a anexação da Crimeia e da guerra no leste da Ucrânia.
O que faz com que você continue na Rússia?
Por que eu deveria deixar meu país? Sou uma cidadã russa e amo a Rússia. A Rússia não é só Putin. Não se pode colocar um sinal de igual entre as palavras Rússia e Putin. A Rússia é a minha casa, e todo ser humano normal quer viver em casa. Vivo aqui pela minha família, meus círculos sociais e meu trabalho, que eu acho interessante.
Você apresenta um programa de economia no canal televisivo RBK. É especialista em mercados de ações e de câmbio. A economia pode se desenvolver na ditadura em que, segundo você, a Rússia se transformou?
Claro que não. Na Rússia, a economia inteira é controlada pelo Estado. Há exemplos de economias se desenvolvendo sob uma ditadura, como em Cingapura. Mas a situação depende do ditador e de sua personalidade. É por isso que são necessárias instituições democráticas. É por isso que as maiores economias do mundo são uma democracia.