Em meio à pandemia, Bolsonaro demite Mandetta
16 de abril de 2020Em meio à pandemia de coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro demitiu o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que será substituído pelo oncologista Nelson Teich. A decisão ocorre dias depois de o titular da pasta ter dado uma entrevista contrariando a posição do presidente em relação à resposta para o combate da covid-19.
A demissão já era esperada desde a semana passada. O ministro e o presidente vinham protagonizando um embate público há mais de um mês, quando o Brasil entrou no compasso do coronavírus. Ao contrário de Bolsonaro, Mandetta vinha defendendo o isolamento social para tentar conter o avanço da pandemia, que já provocou oficialmente a morte de 1.924 pessoas no Brasil.
Após dias de especulações, o anúncio da demissão foi feito nesta quinta-feira (16/04) pelo próprio ministro em seu Twitter, gerando panelaços contra Bolsonaro em várias cidades brasileiras. "Acabo de ouvir do presidente Jair Bolsonaro o aviso da minha demissão do Ministério da Saúde", escreveu Mandetta.
"Quero agradecer a oportunidade que me foi dada, de ser gerente do nosso SUS, de pôr de pé o projeto de melhoria da saúde dos brasileiros e de planejar o enfrentamento da pandemia do coronavírus, o grande desafio que o nosso sistema de saúde está por enfrentar", acrescentou. "Agradeço a toda a equipe que esteve comigo no MS e desejo êxito ao meu sucessor no cargo de ministro da Saúde."
O tuíte ocorreu após uma reunião entre Mandetta e Bolsonaro para discutir a demissão e a consequente transição na chefia do ministério, que será "a mais tranquila possível, com a maior riqueza de detalhes", segundo afirmou o presidente em pronunciamento mais tarde.
Bolsonaro declarou que a exoneração foi decidida em comum acordo. "Foi realmente um divórcio consensual", afirmou, "porque acima de mim, como presidente, e dele, como ainda ministro, está a saúde do povo brasileiro. A vida para todos nós está em primeiro lugar."
O pronunciamento foi feito ao lado de Teich, que aceitou o convite do presidente para assumir o Ministério da Saúde nesta quinta-feira. Em sua fala, o novo ministro disse haver um "alinhamento completo" entre ele e Bolsonaro.
"Deixo claro que existe um alinhamento completo aqui entre mim, o presidente e todo o grupo do ministério. Realmente o que a gente está fazendo aqui hoje é trabalhar para que a sociedade retome de forma cada vez mais rápida uma vida normal, e a gente trabalha pelo país e pela sociedade", disse.
Segundo a imprensa brasileira, Teich é um antigo aliado do bolsonarismo, mas, ao contrário do presidente, vem defendendo o isolamento social como medida para conter o avanço dos contágios.
No pronunciamento, o médico afirmou que não haverá definição brusca sobre distanciamento. "Não vai haver qualquer definição brusca ou radical do que vai acontecer. O que é fundamental hoje? Que a gente tenha informação cada vez maior sobre o que acontece com as pessoas, com cada ação que é tomada", disse Teich. "Tudo aqui vai ser tratado de uma forma técnica e científica."
Fritura de Mandetta
Nas últimas semanas, Bolsonaro já não disfarçava mais sua irritação com o protagonismo de Mandetta e passou a promover publicamente sua fritura nas redes sociais e em falas à imprensa. Uma pesquisa Datafolha divulgada no início de abril apontou que 76% dos brasileiros aprovavam o trabalho de Mandetta na condução da crise do novo coronavírus. Já a avaliação de Bolsonaro foi significativamente mais baixa: 33%.
A fritura passou tanto por críticas abertas quanto pela sabotagem das orientações de Mandetta. No dia 29 de março, um dia após o então titular da Saúde ter pedido para que a população ficasse em casa, Bolsonaro visitou vários comércios da região de Brasília e provocou aglomerações. Nos dias que se seguiram, Bolsonaro afirmou que nenhum ministro era indemissível e que faltava "humildade" a Mandetta. Porém, voltou atrás e disse que não iria demitir seu ministro "no meio da guerra".
Mandetta não vinha contrariando Bolsonaro somente no aspecto do isolamento social. O ministro também não abraçou com entusiasmo a cloroquina, que chegou a ser promovida por Bolsonaro como "cura" para a covid-19, apesar de faltarem estudos amplos que atestem sua eficácia e segurança.
Há dez dias, Mandetta disse que o fármaco não era uma "panaceia" e advertiu contra a automedicação. Em uma coletiva, ele criticou indiretamente Bolsonaro, ao afirmar que se "sairmos com a caixa na mão e falar 'pode tomar', nós podemos ter mais mortes por mau uso do medicamento do que pela própria virose". Antes disso, Bolsonaro havia aparecido em público segurando caixinhas do remédio.
O presidente também vinha se incomodado com a demora do Ministério da Saúde em apresentar um protocolo claro para o uso da cloroquina em pacientes com covid-19.
Nas últimas semanas, Mandetta chegou a fazer concessões a Bolsonaro, engrossando o coro de críticas de governistas às medidas drásticas tomadas por alguns governadores para forçar medidas de isolamento social. Mandetta também seguiu a cartilha bolsonarista ao criticar a imprensa, a qual chamou de "sórdida" – ele se desculpou depois.
No entanto, mesmo adotando essa tática, o ministro passou a sofrer uma espécie de tutela por parte do governo. As coletivas diárias do Ministério da Saúde foram esvaziadas, e Mandetta foi obrigado a participar de coletivas de imprensa ao lado de outros ministros no Planalto.
A fritura de Mandetta seguiu um roteiro similar à de outros ministros que acabaram sendo demitidos, como Santos Cruz (Secretaria de Governo) e Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral da Presidência).
Conforme as críticas do presidente ficaram mais explícitas, redes sociais ligadas à família do presidente passaram a direcionar ataques contra Mandetta. Em poucos dias, contas que eram só elogios à condução da crise pelo ministro passaram a pintá-lo como "Mandetta do DEM" (em referência ao seu partido), "Mandetta, o político" ou "o agente de Rodrigo Maia".
Mandetta vinha negando que pediria demissão e disse que só pretendia sair do governo por decisão do presidente. Há uma semana, após mais uma série de críticas de Bolsonaro, ele disse que não iria "abandonar o paciente". Mandetta também respondeu a uma das provocações de Bolsonaro afirmando: "Ele tem mandato popular, e quem tem mandato popular fala, e quem não tem, como eu, trabalha."
O ex-ministro, no entanto, repreendeu indiretamente o presidente em entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo. De acordo com observadores, a crítica ao chefe não caiu bem entre os militares do governo, e o apoio desse segmento a Mandetta pareceu minguar.
De lobista a ministro da Saúde
Assim como o pai, que também foi ortopedista, Mandetta abraçou a carreira de médico antes de ingressar na política. Após os estudos, atuou como médico no Exército, depois como presidente da Unimed em Campo Grande, sua cidade natal.
Seu primo Nelsinho Trad, eleito prefeito da cidade em 2004, nomeou o ortopedista pediátrico seu Secretário da Saúde, gestão durante a qual ele se destacou no combate à dengue. Porém, o mandato também foi marcado por acusações de corrupção contra Mandetta e o então prefeito Trad.
No final de 2010, Mandetta foi eleito deputado federal. Na Câmara, chamou atenção por defender uma agenda conservadora, a exemplo de sua veemente oposição a um afrouxamento da lei antiaborto. Também ficou conhecido por suas críticas ao programa Mais Médicos, criado em 2013 no governo da então presidente Dilma Rousseff.
Mandetta organizou a resistência das associações de médicos contra o envio de milhares de profissionais cubanos para trabalhar em regiões carentes. Segundo Mandetta, o envio de médicos sem qualificação tinha motivação ideológica e produzia montanhas de cadáveres. Na campanha eleitoral, em 2018, Bolsonaro utilizou o Mais Médicos como exemplo de uma suposta infiltração socialista no Brasil.
A eleição de Bolsonaro inflamou a ascensão política da família de Mandetta. O primo Trad, agora senador, pertence ao círculo íntimo de Bolsonaro. Mandetta entrou no governo como um dos três políticos do DEM, a legenda de centro-direita mais tradicional do país. Depois de ser ameaçada pela irrelevância política nos anos 2000, protagonizou um retorno impressionante após a virada política à direita no Brasil em 2015.
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