Em evento em Berlim, Dilma critica sanções econômicas
23 de abril de 2022A ex-presidente Dilma Rousseff afirmou neste sábado (23/04) ser contrária a qualquer política de intervenção baseada em sanções econômicas, como as que vêm sendo aplicadas por diversos países do Ocidente contra a Rússia desde a invasão da Ucrânia.
Para Dilma, a imposição de sanções do tipo só produz "mortes, fome e miséria" e não é eficaz para forçar alterações de regime nos países afetados. Ela citou os exemplos de Cuba, sob embargo americano há 60 anos, e Venezuela, sancionada pelos Estados Unidos desde 2017.
A ex-presidente fez a declaração no Brazil Summit Europe, seminário em Berlim realizado por alunos brasileiros da Hertie School. Ela participou de forma remota. Também participam do evento os ministros do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia, além de formuladores de políticas e professores brasileiros e alemães.
"Somos, da nossa parte, contrários a qualquer política de intervenção econômica baseada em sanções, até porque tal política só produziu mortes, fome e miséria. Temos dois terríveis exemplos, os 60 anos de sistemáticas sanções aplicadas contra Cuba e as recentes sanções contra a Venezuela durante uma pandemia, que provocaram danos à população daqueles países e não alteraram os seus regimes", disse Dilma.
Em seguida, a ex-presidente afirmou que a invasão da Ucrânia pela Rússia e as sanções decorrentes da guerra irão "remodelar a economia mundial" e promover uma maior regionalização das cadeias produtivas, como vêm prevendo o Fundo Monetário Internacional e diversos especialistas, em um fenômeno conhecido por "desglobalização".
"A invasão da Ucrânia pela Rússia tem sem dúvida conseqüências econômicas e sociais sobre todos os países do mundo globalizado, mesmo que a globalização já viesse se enfraquecendo desde pelo menos a crise de 2008. As sanções fazem parte da guerra, por outros meios. E essas sanções têm o potencial de remodelar a economia mundial, trazendo as cadeias globais de fornecedores para dentro dos países ou para mais próximo de cada uma das regiões", afirmou a ex-presidente.
A avaliação de Dilma sobre a adoção de sanções econômicas é similar à do ex-chanceler Celso Amorim, que chefiou o Ministério das Relações Exteriores nos dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva. Em entrevista à DW Brasil nesta semana, Amorim afirmou que as sanções aplicadas pelo Ocidente contra a Rússia são "um desastre" e que medidas do tipo provocam piora generalizada dos indicadores sociais e mortes nos países afetados, além de repercutirem na economia mundial como um todo.
Países do Ocidente, como Estados-membros da União Europeia, Reino Unido, Estados Unidos e Canadá, vêm impondo sanções em escala inédita contra Moscou, com o objetivo de pressionar o presidente russo, Vladimir Putin, a interromper a guerra na Ucrânia.
As sanções incluem a retirada de bancos russos da rede de comunicações bancárias Swift, o congelamento de parte das reservas do Banco Central russo mantidas fora do país, restrições a atividades de empresas na Rússia e planos para cortar gradativamente as importações de fontes de energia russa. Nesta segunda-feira, o prefeito de Moscou, Serguei Sobianin, estimou que cerca de 200 mil pessoas correm o risco de perder seus empregos na cidade devido às decisões de empresas estrangeiras de suspender as operações ou abandonar a Rússia.
Aliança entre "neoliberalismo e neofascismo"
Dilma também afirmou que a eleição de Jair Bolsonaro, a sua sustentação no cargo e sua campanha à reeleição seriam frutos de uma aliança entre o "neoliberalismo", que tinha perdido espaço no Brasil e na América Latina nos anos 2000 e primeira metade dos anos 2010, com o "neofascismo".
Como vem afirmando, a ex-presidente disse que seu impeachment, ocorrido em 2016, foi um "golpe para atender aos neoliberais" e "retomar o projeto ultraconservador brasileiro", que segundo ela toma proveito de uma herança escravista mal-resolvida no Brasil para ampliar a exploração da população mais pobre, em sua maioria negra ou parda. E citou como resultados dessa guinada o aumento do desemprego, do trabalho precarizado e da insegurança alimentar.
"A política neoliberal, junto com o neofascismo, constituem os grandes responsáveis pela catástrofe humanitária hoje existente no Brasil", afirmou Dilma. Segundo ela, a mesma aliança entre essas duas forças estaria colocada neste ano eleitoral. "O neoliberalismo não tem o chip da moderação, e está aliado ao autoritarismo. A derrota nas urnas e a defesa da ditadura militar colocam sempre no horizonte de Bolsonaro o questionamento do resultado das eleições e a busca por uma intervenção militar em último caso", afirmou.
Dilma, que não integra o núcleo de formulação da campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pré-candidato ao Planalto neste ano, afirmou que a alteração dos rumos do país depende do restabelecimento da capacidade de o Estado "atuar e manter serviços públicos de qualidade e priorizar as necessidades da maioria da população, sobretudo dos mais pobres".
Para isso, ela defendeu o fortalecimento da capacidade de arrecadação do governo, com maior tributação do capital financeiro e de plataformas digitais, aplicação da progressividade tributária e priorização de tributos diretos em vez de indiretos.