Salles questiona contribuição humana na mudança climática
1 de outubro de 2019Em sua viagem pela Europa para defender a política ambiental brasileira, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, questionou o impacto da contribuição humana na mudança climática em entrevista ao jornal conservador alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ).
Nesta terça-feira (01/10), Salles cumpre seu segundo dia de agenda em Berlim. Segundo declarou em um vídeo no Twitter, o giro europeu tem como objetivo "desmistificar" um "sensacionalismo" de informações que "não são corretas" sobre a situação ambiental brasileira.
A etapa alemã da viagem segue uma agenda que não vem sendo divulgada publicamente pelo Ministério do Meio Ambiente brasileiro. Parte da programação inclui entrevistas e encontros com autoridades. Na segunda-feira, uma reunião com representantes de grandes empresas alemãs, incluindo as gigantes do setor químico Bayer e Basf, foi alvo de protestos organizados pelo Greenpeace, que havia vazado a realização do encontro.
Na entrevista ao FAZ, Salles foi questionado pelos jornalistas sobre o impacto da ação humana nas mudanças climáticas. O brasileiro afirmou acreditar que o "comportamento humano tem um impacto no clima", mas que "ainda é preciso questionar quão grande é a contribuição humana" para a mudança climática. "Ainda temos que averiguar isso", disse.
Os jornalistas do FAZ perguntaram então a Salles se ele acredita que a participação humana nas alterações climáticas é "grande" ou "pequena". O ministro respondeu: "Não posso responder isso. Não sou nenhum cientista."
Porém, segundo a Agência Federal para o Meio Ambiente – principal autoridade ambiental da Alemanha –, a maioria dos cientistas que estudam as mudanças climáticas aponta que, sim, a contribuição humana não é apenas grande, como dominante entre as causas das alterações do clima. De acordo com a agência, estudos indicam que os humanos são os principais agentes causadores das alterações que foram registradas desde a metade do século 20.
Já o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), das Nações Unidas, referência sobre o tema, afirma que é 95% certo que os humanos causaram mais da metade do aumento de temperatura registrado entre 1951 e 2010.
A Agência Espacial Americana (Nasa), por sua vez, aponta que 97% dos cientistas que regularmente publicam estudos sobre mudanças climáticas indicam que elas ocorrem por causa da ação humana.
O governo alemão não questiona esses dados. Em junho, a ministra do Meio Ambiente, Proteção da Natureza e Segurança Nuclear da Alemanha, Svenja Schulze, disse: "Não temos nenhum problema de desconhecimento sobre a proteção do clima. Cientistas do mundo todo comprovam a mudança climática provocada pelos humanos."
Combate ao desmatamento e atritos com a Alemanha
Ainda na mesma entrevista, Salles disse que o Brasil conta com "uma boa rede legal para a proteção do meio ambiente" e voltou a rebater a afirmação de que a Amazônia é "o pulmão do mundo". "Já foi provado que esse conceito é incorreto", disse o ministro, argumentando que a "Amazônia produz a mesma quantidade de oxigênio que consome".
O ministro, no entanto, admitiu, diante dos questionamentos dos jornalistas, que a Amazônia tem um papel importante na absorção de CO2. "É claro que sabemos da importância da floresta."
"O Brasil está desempenhando um trabalho muito bom na luta contra a mudança climática. Nós temos como base a energia renovável, reduzir o desmatamento na Amazônia e promover o reflorestamento. Nossa contribuição nacional é provavelmente a mais ambiciosa do mundo", afirmou.
O ministro ainda foi questionado sobre a possibilidade de o acordo entre a União Europeia e o Mercosul não ser ratificado. Desde o início da crise do desmatamento e queimadas na Amazônia, em agosto, diversos países europeus, entre eles a França e a Irlanda, sinalizaram que não devem ratificar o acordo por causa da política ambiental do governo Bolsonaro. A Áustria foi mais longe, e seu Parlamento aprovou uma moção para obrigar o governo federal a vetar o pacto.
Para Salles, rejeitar o acordo e renunciar às oportunidades de investimentos no Brasil teria "o efeito oposto" na Amazônia. "O acordo oferece grandes oportunidades econômicas. [...] As maiores ameaças à proteção da natureza no Brasil estão ligadas à pobreza e à falta de desenvolvimento", disse o ministro.
Nesse ponto, a posição de Salles não é muito diferente da abordagem do governo alemão. Os ministros da chanceler federal, Angela Merkel, já entraram em atrito com o governo brasileiro sobre o desmatamento no Brasil e a gestão do Fundo Amazônia, mas a posição oficial do governo alemão tem sido de continuar a apoiar o acordo com o Mercosul.
No fim de agosto, um porta-voz da chancelaria alemã afirmou que "a não ratificação do acordo com o Mercosul não contribuirá para reduzir o desmatamento na Amazônia", acrescentando que o pacto possui um "ambicioso capítulo de sustentabilidade com regulamentos vinculativos para a proteção climática". Encontros com autoridades
Na tarde desta terça-feira, Salles tinha um encontro marcado com sua equivalente alemã, a ministra Svenja Schulze, ministra do Meio Ambiente. Mais cedo, ele se encontrou com o ministro Gerd Müller, da pasta para Cooperação e Desenvolvimento da Alemanha.
Em frente à sede da pasta de Müller, na região central de Berlim, três dezenas de manifestantes do Greenpeace voltaram a protestar contra a presença de Salles na Alemanha, como já havia ocorrido na segunda-feira. Eles estenderam uma faixa com a frase "Não destruam a Amazônia".
Segundo o porta-voz do ato, Jannes Stoppel, o protesto não tinha apenas Salles como alvo, mas também o governo alemão. "O ministro Müller se vangloriou sobre a proteção de florestas na semana passada durante a Cúpula do Clima da ONU, mas ele também apoia a ratificação do acordo com o Mercosul, e consequentemente a pecuária do Brasil e a destruição da Amazônia."
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