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A ligação entre redes criminosas e desmatamento na Amazônia

17 de setembro de 2019

Relatório da Human Rights Watch associa ação de fazendeiros e milícias armadas a violência e destruição da Floresta Amazônica. Impunidade e falta de fiscalização se agravaram durante o governo Bolsonaro, diz ONG.

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Queimada no Pará, em 6 de setembro de 2019
Queimada no Pará, em 6 de setembro: "A situação só está piorando com o presidente Bolsonaro", denuncia HRWFoto: Getty Images/J. Myburgh

Um relatório da ONG Human Rights Watch (HRW) divulgado nesta terça-feira (17/09) denuncia a ação de redes criminosas que impulsionam o desmatamento e as queimadas na Amazônia, com a participação de invasores de terra e fazendeiros que contam com a proteção de milícias armadas.

O documento de 169 páginas intitulado "Máfias do Ipê: como a violência e a impunidade alimentam o desmatamento na Amazônia brasileira", estabelece ligações entre o desmatamento ilegal e os incêndios florestais com atos de violência e intimidação contra os chamados defensores da floresta, que incluem ativistas, agricultores, comunidades indígenas e até policiais e agentes públicos.

O nome do relatório se refere a uma das árvores consideradas mais valiosas nas áreas de florestas. Quando árvores são retiradas de pequenas faixas de mata é possível que o desmatamento não seja detectado por satélites.

Os grupos criminosos financiam o uso de grandes maquinários, como tratores caminhões e motosserras, e pagam pela mão de obra. Segundo o relatório, as ações ocorrem como consequência da grilagem – a falsificação de documentos para apropriação ilegal de terra.

"Existem redes criminosas na Amazônia que estão envolvidas na extração ilegal de madeira em larga escala e em outros crimes, como ocupação de terras públicas, grilagem e, em alguns casos, com garimpo ilegal e tráfico de drogas", afirmou Cesar Munoz, um dos autores do relatório, citado pelo portal de notícias G1.

Essas redes seriam coordenadas por fazendeiros e invasores de terras que atuam na região com capacidade logística de coordenar a extração, o processamento e a venda de madeira em larga escala.

O relatório da HRW denuncia o fracasso do governo brasileiro em investigar e punir os responsáveis por esses crimes, o que é apontado como um dos fatores ligados a atos de violência contra os defensores da floresta.

"Os brasileiros que defendem a Amazônia enfrentam ameaças e ataques de redes criminosas envolvidas na extração ilegal de madeira", afirmou Daniel Wilkinson, diretor de direitos humanos e meio ambiente da Human Right Watch. "A situação só está piorando com o presidente Bolsonaro, cujo ataque aos órgãos de proteção do meio ambiente coloca em risco a floresta e as pessoas que ali vivem."

A cadeia criminosa que ameaça a Floresta Amazônica

"O presidente Bolsonaro retrocedeu na aplicação das leis de proteção ambiental, enfraqueceu as agências federais responsáveis, além de atacar organizações e indivíduos que trabalham para preservar a floresta", afirma a HRW. A organização também destaca o aumento do desmatamento e das queimadas nos primeiros oito meses do governo Bolsonaro.

A organização entrevistou mais de 170 pessoas entre 2017 e 2019, incluindo agentes do Instituto brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), da Fundação Nacional do Índio (Funai), além de indígenas, comunidades locais e agricultores, policiais e promotores.

Os dados sobre crimes associados ao uso do solo foram reunidos pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade ligada à Igreja Católica, que contabilizou ao menos 300 crimes nos últimos dez anos. Os números da CPT são usados pela Procuradoria-Geral da República, já que o governo federal não possui um sistema de monitoramento dessas atividades criminosas.

O levantamento feito em campo foi realizado nos estados do Amazonas, Pará e Maranhão, com o apoio de entidades parceiras da HRW que atuam contra a violência no campo e em defesa dos direitos das comunidades indígenas. A pesquisa analisou 40 ameaças de morte, quatro tentativas de assassinato e 28 assassinatos, tendo a maioria sido cometida desde 2015.

Segundo a ONG, havia nesses casos "evidências críveis de que os responsáveis por esses crimes estavam envolvidos no desmatamento ilegal e viam suas vítimas como obstáculos as suas atividades criminosas".

Impunidade e falta de fiscalização

A impunidade dos criminosos também foi destaque no relatório. "Dos mais de 300 assassinatos registrados pela CPT, apenas 14 foram julgados; dos 28 assassinatos examinados pela Human Rights Watch, apenas dois foram julgados; e dos mais de 40 casos de ameaças, nenhum foi a julgamento", diz a ONG.

Segundo a HRW, a polícia local reconhece suas próprias deficiência na condução de investigações adequadas e afirma que isso acontece porque as mortes ocorrem em áreas remotas. No entanto, a organização afirma ter documentado "graves omissões" nas investigações de assassinatos ocorridos em cidades, incluindo a falta de autópsias.

A HRW destaca a importância de ações das comunidades indígenas e outros grupos que vivem na Amazônia, que há muito tempo se esforçam para conter o desmatamento, alertando as autoridades sobre atividades ilegais que, de outra forma, poderiam passar despercebidas.

"A redução da fiscalização ambiental incentiva a extração ilegal de madeira e resulta em maior pressão sobre a população local para que assuma um papel mais ativo na defesa das florestas. Ao fazer isso, ela se expõe ao risco de represálias". diz a ONG.

Em 2009, havia 1,6 mil inspetores do Ibama no Brasil. Em 2019, são apenas 780, sendo que somente uma parte deles está na Amazônia, aponta o relatório. No Pará, oito inspetores cuidam de uma área do tamanho da França. A Funai, que em 2012 possuía 3.111 funcionários, conta hoje com 2.224.

RC/lusa/ots

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