Eleição deixa Congresso mais conservador
7 de outubro de 2014O deputado federal Marco Feliciano (PSC/SP) causou rebuliço na Câmara no ano passado ao ser escolhido para presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias na Câmara. Acusado de racismo e homofobia, o evangélico foi alvo de diversas manifestações contrárias país afora. Teve que se explicar para a opinião pública e, por fim, acabou completando o mandato à frente da comissão, mas não foi reconduzido ao cargo.
O episódio, porém, parece não ter arranhado a imagem de Feliciano. No domingo passado, quase 398 mil eleitores de São Paulo lhe deram um novo mandato na Câmara – quase o dobro em relação a 2010, quando obteve 211 mil votos.
Parlamentares de segmentos mais identificados com o conservadorismo - como ruralistas e militares - e a religião mostraram força nas eleições deste ano. Na esteira dos 1,5 milhão de votos conquistados por Celso Russomanno (PRB/SP), católico de estreita ligação com grupos evangélicos, quatro representantes da Igreja Universal ganharam uma vaga na Câmara, por exemplo.
O Partido Republicano Brasileiro (PRB), uma espécie de "braço" político da Igreja Universal do Reino de Deus, que abriga nomes como o bispo Marcelo Crivella, foi um dos que mais cresceu na Câmara. A bancada de deputados federais dobrou, passando de dez para 20.
"Só pelo número de pastores, bispos, e pela repercussão que o tema ligado às causas mais conservadoras das igrejas teve nos diversos estados, já dá para antecipar que a bancada evangélica do próximo ano será maior do que a atual", afirma Antônio Augusto Queiroz, analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). "Temos uma indicação muito clara disso."
Levantamento parcial feito pelo Diap aponta pelo menos 52 deputados na bancada evangélica da Câmara a partir do ano que vem, sendo 38 reeleitos e 14 novos. Como pesquisadores do departamento continuam identificando nomes que seguem a orientação religiosa, Queiroz estima que este número deve ultrapassar os 70 que formam a atual bancada no Legislativo.
Queiroz, que há 30 acompanha transições no Congresso Nacional, acredita que a próxima legislatura oferecerá mais espaço para plataformas mais conservadoras, especialmente envolvendo temas polêmicos como a descriminalização do aborto e criminalização da homofobia. Segundo sua análise, haverá no ano que vem uma redução das bancadas comprometidas com a defesa de causas sociais, de gênero, dos grupos LGBTS e ambientais.
Ainda engrossando o coro dos conservadores, pelo menos 20 deputados conseguiram se eleger para a próxima legislatura levantando pautas radicais na área de segurança, como redução da maioridade penal e alterações no estatuto do desarmamento.
"Ao que tudo indica, este será o Congresso mais conservador do período pós-democratização", avalia o especialista.
Reflexo da sociedade
"A sociedade brasileira tem um traço autoritário e conservador, e o Congresso nacional expressa esse traço", diz a professora Maria das Dores Campos Machado, do Núcleo de Pesquisa de Religião, Gênero, Ação Social e Política, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Segundo ela, independentemente da presença ou não de evangélicos, o Congresso é uma instituição conservadora. Exemplo disso seria a demora na aprovação da lei do divórcio no Brasil, que só passou a existir a partir de 1977.
Outra prova é que esses parlamentares não teriam força para, sozinhos, barrar leis – em 2010 eles eram apenas 13% dos legisladores. Para isso, eles contam com o apoio, e os votos, de outros parlamentares.
A pesquisadora ressalta ainda que a bancada evangélica não participa de debates do dia a dia no Congresso. Por ser constituída por membros ligados a diferentes lideranças, o consenso é construído apenas em torno de pautas específicas.
"O que tem acontecido é o crescimento de ação conjunta entre carismáticos católicos e evangélicos pentecostais, especialmente com relação aos temas aborto e moralidade sexual. E isso tem conseguido fazer com que vários projetos sejam barrados no Congresso Nacional", afirma Machado.
Com o aumento da força do conservadorismo religioso no Legislativo, resta aos movimentos sociais recorrer ao Judiciário para garantir alguns direitos. Como no caso da união estável entre casais do mesmo sexo, que passou ser legal após reconhecimento do Supremo Tribunal Federal.