Som no cinema
16 de agosto de 2007A decisão do Canal Fox de transmitir sua programação em português e o lançamento de cópias dubladas de filmes como Piratas do Caribe 3 e Transformers, cuja aceitação chega a ser maior do que as cópias originais, são exemplos recentes da mudança de hábito do público brasileiro perante a dublagem de filmes até então legendados.
Tal mudança de hábito pode ser lida de várias formas: reação ao mercado de filmes dublados em DVD; democratização da oferta cinematográfica para idosos, analfabetos e crianças; preguiça de leitura; proteção da língua nacional, etc.
Na Alemanha, a dublagem de filmes para o cinema já é realidade desde 1930. Até hoje, filmes legendados na versão original podem ser vistos somente em alguns poucos cinemas de cidades maiores. Uma tese de doutorado da Universidade de Bochum estudou o fenômeno.
Dublagem acompanhou a sonorização
Em sua dissertação A fala nos filmes. Sobre a linguagem verbal no cinema, Christoph Wahl, docente da Universidade de Bochum, explica que a dublagem acompanhou a sonorização da fala na pós-produção, ou seja, a reprodução dos diálogos após as filmagens, já que dificuldades técnicas tornavam difícil a gravação de diálogos fora dos estúdios.
Na indústria cinematográfica, a sonorização das falas tornou-se regra a partir dos anos de 1950, com o início da utilização da fita magnética, em 1948.
Diálogos, ruídos e música puderam, a partir daí, ser gravados separadamente. Surgiram as assim chamadas "fitas internacionais" que permitiam, no caso de dublagens para outros idiomas, que somente os diálogos fossem trocados.
Com a sonorização das falas na pós-produção, também surgiu a troca de vozes, uma técnica freqüentemente usada por diretores como Rainer Werner Fassbinder, que substituía a voz de alguns personagens por outras que achava mais adaptadas ao papel, explica Wahl. Com a dublagem, também surgiu a modificação de diálogos. Desta forma, a tradução de filmes pôde servir aos mais diversos interesses.
Nem nazistas, nem colaboradores, nem ativistas da resistência
Wahl explica que, para o clássico Casablanca (1942), de Michael Curtiz, há três versões para o alemão (1952, 1968, 1975). Após a Segunda Guerra, os alemães ainda não estariam preparados para um resgate autocrítico do passado nazista.
Desta forma, na versão de 1952, todo o complexo nacional-socialista embutido em Casablanca foi eliminado através de cortes e da substituição de diálogos. Nesta primeira versão, não existiam nem nazistas, nem colaboradores, nem ativistas da resistência, explica o docente.
As versões para o alemão de 1968 e 1975 recuperaram estas modificações ideológicas, primeiramente através de uma versão original legendada (1968) e, finalmente, com uma nova dublagem para o alemão em 1975.
Comissão Italiana de Censura
Segundo Wahl, a dublagem de filmes também estaria ligada, de outra forma, ao passado fascista e nazista de países como a Itália e Alemanha, pois foi nos países do Eixo que a dublagem se estabeleceu de forma mais incisiva.
Na Alemanha, as restrições nacional-socialistas a línguas estrangeiras fizeram com que os filmes norte-americanos fossem em sua maioria dublados, até sua proibição definitiva a partir de 1940.
Depois de 1929, a Comissão Italiana de Censura suprimiu os diálogos de filmes norte-americanos e de outras produções estrangeiras, argumentando que isto iria estimular os italianos a aprender outras línguas. Em 1931, um decreto requeria a dublagem de todos os filmes estrangeiros.
Somente versões dubladas
Além da Alemanha e Itália, a Espanha, regida durante décadas pela ditadura de Franco, ficou conhecida como o terceiro país da dublagem. Por volta de 1950, um estudo chegou à conclusão que os mercados dos três países eram os únicos a aceitarem somente versões dubladas.
Apesar da pequena população, regiões como a Catalunha espanhola ou o País de Gales apostam na dublagem de filmes para a valorização do idioma vernacular em relação ao espanhol e ao inglês, respectivamente. Para Wahl, no entanto, a utilização da dublagem como arma contra o imperialismo seria fruto de um pensamento errôneo.
Se a dublagem de filmes para o alemão permite, à primeira vista, que o idioma alemão seja falado nos cinemas, permite também, em uma segunda visão, uma plataforma para adaptação falaciosa de expressões e formas de comportamento culturais estrangeiros, explica Wahl em sua tese.