Fim dos ônibus espaciais
10 de julho de 2011Um dos mais experientes astronautas europeus, Thomas Reiter, confia que o futuro da exploração espacial é brilhante. Em entrevista à Deutsche Welle, ele afirma que, mesmo com o fim dos ônibus espaciais – o Atlantis foi lançado ao espaço pela última vez nesta sexta-feira (08/07) – os trabalhos na Estação Espacial Internacional (ISS) continuarão intensos.
O astronauta alemão também faz um balanço positivo dos projetos espaciais europeus e ressalta que Índia e principalmente China estarão, em poucos anos, em pé de igualdade com os Estados Unidos e a Rússia com relação a pesquisas espaciais. "Quando isso acontecer, vejo grandes possibilidades de cooperação".
Durante os anos 90, Reiter passou quase meio ano na estação espacial russa Mir. Mais tarde, em 2006, ele passou outros seis meses na ISS. Em abril deste ano, o astronauta alemão assumiu a Diretoria de Viagens Tripuladas e Operações da Agência Espacial Europeia (ESA).
Deutsche Welle: Há cinco anos você foi para o espaço em um ônibus espacial Discovery até a Estação Espacial Internacional (ISS) e voltou a salvo para a Terra. O que você se lembra desta viagem?
Thomas Reiter: Só coisas boas. É tentador comparar esta viagem com a que fiz com o veículo russo Soyuz, 14 anos antes. O ônibus espacial, claro, é um pouco mais confortável. Ele tem mais espaço, tanto no caminho para a estação quanto na volta. Até mesmo a reentrada na atmosfera é mais confortável, pois a aceleração gravitacional não é tão alta. No ônibus espacial ela é apenas 1,5 vez a força da gravidade terrestre, enquanto na Soyuz é quatro vezes mais forte. E depois de seis meses de gravidade zero no espaço, isso faz uma grande diferença.
Agora que as viagens com os ônibus espaciais vão acabar, a única maneira levar pessoas para o espaço será por meio das cápsulas russas Soyuz. Elas são adequadas?
As cápsulas cumprem seu papel como meio de transporte. Mesmo não sendo muito confortável, ela vai e volta. O importante é fazer esse caminho com segurança até a ISS. E isso pode ser feito com as cápsulas russas também. No entanto, ela suporta muito menos carga, e esse é o ponto crucial. O ônibus espacial transporta até sete pessoas com 20 toneladas de bagagem. Para as amostras científicas que são processadas na ISS, a redução da capacidade de transporte é uma perda. Mas agora que os ônibus espaciais serão desativados, teremos que sobreviver com esse gargalo por três ou quatro anos.
Os ônibus espaciais serão substituídos por operadores comerciais privadas. Nós podemos confiar neles?
Utilizar operadores comerciais é um passo importante. E acho que toda a comunidade espacial espera com grande interesse por essa experiência. Não tenho dúvidas de que isso é possível para tarefas limitadas. No entanto, não se pode depender exclusivamente desses serviços em longo prazo. Talvez novas possibilidades surjam em 10 ou 15 anos. No momento é importante ter uma combinação de companhias novas como a SpaceX - que ainda precisa provar que pode fornecer estes serviços - e unidades institucionais, como o ônibus espacial ou o Soyuz. O ISS vai estar lá até pelo menos 2020.
O fim das viagens dos ônibus espaciais também significará, em médio prazo, o fim dos trabalhos na estação espacial?
De jeito nenhum! O abastecimento da ISS continuará por meio de outros veículos disponíveis, não apenas o Soyuz, mas também o cargueiro russo Progress, o europeu ATV e um sistema japonês, HTV. Eles devem garantir os trabalhos pelo menos até o fim desta década.
De qualquer forma, o transporte de pessoas ficará melhor com a disponibilidade de novos sistemas de transporte, como o Falcon 9 do SpaceX. Além disso, temos que considera que os equipamentos retornarâo à terra e precisamos de um determinado padrão de segurança, o que infelizmente foi um problema para as cápsulas Soyuz e para os ônibus espaciais. (Tanto a Soyuz quanto o ônibus espacial tiveram acidentes fatais ao longo de sua história operacional.)
Você é o responsável pela estação dentro da Agência Espacial Europeia. Qual é o significado científico da ISS?
A princípio, ainda estamos no início do uso da estação espacial. E isso não significa que nos últimos anos nós não a tenhamos usado intensivamente em experimentos científicos. A ESA já desenvolveu mais de uma centena de experimentos na ISS em diferentes disciplinas, de Fisiologia Humana a Ciência de Materiais, passando por Biologia e Física Fundamental. Isso vai continuar para o resto da década.
É claro que isso também tem a ver com recuperar os investimentos feitos na década passada. A tarefa da minha diretoria e da ESA foca justamente nisso: garantir e maximizar o uso de novos conhecimentos adquiridos nas pesquisa que realizamos lá. Em particular, no desenvolvimento de novas tecnologias em benefício das pessoas aqui na Terra.
Em comparação com os programas espaciais norte-americano e russo, como se pode avaliar o programa espacial europeu?
Basta ler os jornais diários para notar que há enormes problemas econômicos na Europa e em várias partes do mundo. Mesmo diante desse cenário, estamos em boa forma. A expertise na Europa, tanto na área científica quanto na indústria e também em pesquisa e desenvolvimento está muito bem em comparação com a Nasa, com a agência russa, e também com os países que estão surgindo como potências espaciais, como China e Índia.
Em comparação com a Nasa, temos apenas uma fração de seu orçamento anual. A agência norte-americana tem disponível 14 bilhões de euros, enquanto a ESA recebe apenas 3,5 bilhões. E apenas uma parte deste recurso vai para voos espaciais tripulados e para a operação da ISS. Devo dizer que a Europa é muito eficiente, apesar de os estados-membros terem que aprovar nossas decisões .
Você mencionou China e Índia. Que papéis desempenham esses dois países agora e no futuro dos projetos espaciais?
China e Índia estão em uma fase na qual querem contruir capacidade para voos espaciais tripulados. A China já provou isso duas vezes. Em breve o país estará em pé de igualdade com as nações que têm mais tradição nesta área, com Estados Unidos e Rússia. Se isso acontecer, vejo grandes possibilidades de cooperação - tanto nas atividades de pesquisa próximas à órbita terrestre quanto em pesquisas avançadas para missões internacionais.
A Índia ainda não chegou lá. O país pretende começar sua primeira missão tripulada em meados da década. Nós estamos acompanhando tudo com grande interesse. Nós sabemos que é um caminho difícil e que há uma diferença entre enviar satélites em órbita e carregar pessoas com eles. Nós precisamos claramente de sistemas mais seguros e confiáveis.
Dos anos 1960 aos 1980, os voos espaciais eram símbolo de status, tinham uma simbologia política. Isso mudou? A indústria espacial perdeu seu significado político?
Não acho que isso tenha mudado muito. De certo modo, as viagens espaciais ainda carregam um símbolo de status. Muitas pessoas dos países envolvidos com projetos espaciais identificam-se como hightech. Isso envolve aspectos técnicnos e científicos, e também um impacto decisivo na sociedade. Há um grande incentivo para que jovens se interessem por ciência.
Isso dá uma idéia sobre o que pode acontecer no futuro. Mas acompetição que existia durante a Guerra Fria acabou, graças a Deus. Ainda há disputa, mas no que concerne à produção industrial. Mas acho que hoje isso está em um nível saudável, como deve ser, pois sabemos que a concorrência é boa para os negócios. E isso também vale para o espaço.
Um dos principais objetivos da Nasa é levar o homem para a superfície de Marte. Isso também vale para a ESA?
É claro que, do meu ponto de vista, o objetivo final é levar o homem para a superfície de nosso planeta vizinho. Quando isso vai acontecer é difícil prever. Eu contaria com pelo menos 20 anos. Com relação a isso, essas missões científicas são uma boa preparação, ao mesmo tempo em que nos trazem mais conhecimentos sobre os planetas vizinhos: existe água por lá? Há vestígios de vida?
Na minha opinião, antes de conduzir uma missão tripulada para Marte nós precisamos desenvolver um bom número de novas tecnologias. Sendo assim, é natural primeiro voltar a um destino mais próximo: a Lua. Lá é possível desenvolver, em um local mais próximo da terra, importantes tecnologias como suporte e proteção contra radiação cósmica. E aí talvez em 20 ou 30 anos estaremos prontos para realmente mandar alguém para Marte.
Entrevista: Tobias Oelmaier (ms)
Revisão: Francis França