Desmate na Amazônia e no Cerrado está em 2% das fazendas
16 de julho de 2020Sessenta e dois por cento do desmatamento ilegal ocorrido nas regiões de Amazônia e Cerrado, no Brasil, ocorrem em apenas 2% das propriedades rurais dessas áreas, em fazendas onde há produção de soja e de gado bovino, concluiu um estudo coordenado por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e publicado na edição desta semana da revista científica Science.
No total, considerando dados de 2008 a 2019, foram identificados 2,4 milhões de hectares desmatados irregularmente na Amazônia e no Cerrado – 16 vezes o tamanho do município de São Paulo ou um pouco mais do que a área da Eslovênia.
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Além dos cientistas da UFMG, o estudo contou ainda com pesquisadores da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade, de Nazaré Paulista; da Universidade de Bonn, na Alemanha; da Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos; e do Instituto Ambiental de Estocolmo, na Suécia.
Conforme declarou à DW Brasil o biólogo Felipe Nunes, diretor do Centro de Inteligência Territorial e pesquisador da UFMG, a pesquisa "evidencia que poucas e grandes propriedades rurais são responsáveis por grande parte do desmatamento que ocorre à margem da lei".
Ele lembra que isso, por causar "imenso impacto socioambiental em uma das regiões mais biodiversas do planeta, está afetando a imagem de todo um setor econômico". Para os pesquisadores, o cenário mostra as "laranjas podres" que estragam o agronegócio brasileiro – ou "maçãs podres", na tradução literal do texto da Science.
"Isso nos permite inferir que, caso haja uma fiscalização direcionada a essa minoria – e que resulte em punições efetivas –, o Brasil atacará grande parte do problema", ressalta Nunes. "E, o mais importante, passará uma mensagem importante à sociedade: de que os poucos que insistem em cometer ilegalidades estão sendo vistos e serão punidos conforme prevê a legislação ambiental brasileira."
Economista especializado em agricultura, o professor Jan Börner, da Universidade de Bonn, destacou à DW Brasil que o estudo demonstra que são poucos os grandes culpados pelo desmatamento no país – e, ao mesmo tempo, a concentração de terras nas mãos de um grupo reduzido é fato notório.
"Ambas as questões estão relacionadas", afirma. "Quando você tem uma alta concentração de terra [com poucos donos], a possibilidade de observar desmatamento em poucas propriedades aumenta."
O estudo indica que de 18% a 22% dos produtos brasileiros exportados para a União Europeia estão ligados ao desmatamento. E aponta que, no total, 15% das propriedades rurais da região foram desmatadas desde 2008. Metade obedecendo a legislação, e a outra metade de forma ilegal – desrespeitando reservas ou áreas de mananciais.
Para realizar o trabalho, os pesquisadores cruzaram informações do Cadastro Ambiental Rural com mapas e outras bases de dados. Foram analisadas, no total, 815 mil propriedades rurais brasileiras.
"Foi feito um amplo trabalho de coleta, processamento, análise e modelagem de dados econômicos e ambientais. Para isso criamos um banco de dados reunindo diversas informações sobre uso da terra, malha fundiária, legislação ambiental, produção agrícola e exportações para então analisar e conectar a legislação ambiental à produção e exportação de commodities", diz à DW Brasil o geólogo Britaldo Soares Filho, professor da UFMG. "Para isso, nos apoiamos em ferramentas de ponta para desenvolver modelos computacionais capazes de lidar com a quantidade de dados que um estudo deste porte requer."
O trabalho considerou desmatamento ilegal todo aquele que foi realizado sem a emissão de licença para o desmate – mesmo que, em tese, pudesse estar em conformidade com a legislação. "Sendo assim, alguns que potencialmente seriam legais podem ser também ilegais", esclarece o cientista da computação Raoni Rajão, também professor da UFMG.
Pressão internacional
Em um cenário em que o Brasil sofre pressões internacionais para que tenha políticas públicas claras de preservação ambiental, com organizações não governamentais e redes varejistas da Europa propondo boicotes a produtos agroalimentares brasileiros, o estudo deixa claro que as commodities são as grandes vilãs.
Börner tem ressalvas a discursos de boicotes a produtos não sustentáveis. Para ele, quando o objetivo passa a ser "comprar uma carne não associada ao desmatamento" e não simplesmente "reduzir o desmatamento", o resultado final fica comprometido.
"Porque qualquer consumidor de carne do mundo contribui para o preço de mercado do produto, e isto é o sinal, o incentivo ao produtor rural para que ele expanda ou não expanda sua área", argumenta. "Então, só por comprar uma carne limpa você não se livra da responsabilidade frente ao problema."
O diretor da Associação Brasileira de Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas) e presidente do Comitê Executivo de Fruticultura do Rio Grande do Norte, fruticultor Luiz Roberto Maldonado Barcelos, relata que exportadores de limão já deixaram de vender para países europeus, sobretudo a Alemanha, e o cenário preocupa todo o setor.
"Temos feito contatos com órgãos ligados ao meio ambiente para melhorar a questão da comunicação. Temos de deixar claro que não são os produtores do agronegócio que estão prejudicando a Amazônia. São os grileiros, as pessoas que estão explorando de forma irregular", diz. "Principalmente, as culpadas não são as frutas."
Grilagem de terras
Estudiosos da questão consultados pela DW Brasil lembram que é importante atentar para a grilagem da terra. "Há que se registrar que, por cerca de três décadas, mais de 80% do desmatamento inicial em todos os biomas do país foi ilegal. Mudanças do marco legal é que tornaram 'legais' áreas desmatadas originalmente de forma ilegal, inclusive grilagem de terras públicas na Amazônia", aponta o climatologista Carlos Nobre, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP).
"Um dos principais fatores que incentiva o crime ambiental de grilagem de terras e desmatamentos ilegais é a percepção dos criminosos ambientais que aquele crime será perdoado um dia, e a terra grilada e o desmatamento serão 'legalizados'", acrescenta.
Para o pesquisador Tiago Reis, que estuda ações de combate ao desmatamento na Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, o fato de a maior responsabilidade estar concentrada em apenas 2% das propriedades comprova que desmatar é um empreendimento caro.
"Os grandes desmatadores são pouquíssimas propriedades, muito capitalizadas, ligadas a investidores e, em muitos casos, até fundos de pensão internacionais", afirma. "Ainda mais esses desmatamentos que ocorrem em velocidade muito rápida. O ribeirinho, o agricultor familiar, esses não têm capacidade de desmatar áreas tão grandes como as que vemos por satélite."
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