Crise histórica já se delineia na América Latina
28 de maio de 2020Com um atraso de três meses em relação à Europa, a América Latina está prestes a se tornar o epicentro global da crise de coronavírus. Provavelmente, levará até julho para que as infecções por covid-19 se estabilizem. No Brasil, o pico de mortes não é esperado até o início de agosto.
Nesse cenário, já são possíveis algumas previsões de como a América Latina vai mudar como resultado da crise.
A região está entrando em sua pior recessão desde as crises de endividamento dos anos 1980. A situação é surpreendentemente parecida como a daquela época. Hoje, como então, a dívida externa dos Estados está aumentando rapidamente ‒ atualmente devido às medidas sociais resultantes do combate à covid-19, no passado por causa dos investimentos estatais.
Também desta vez, caíram a demanda e os preços do petróleo, assim como de alguns produtos agrícolas e de mineração. Para um exportador de commodities energéticas e não energéticas como a América do Sul, essa é uma péssima combinação, porque a capacidade de honrar suas dívidas está diminuindo.
Serão inevitáveis novas crises da dívida externa, algo que Equador e Argentina estão tentando agora evitar com negociações. Resta saber como os investidores financeiros e os bancos multilaterais de desenvolvimento reagirão a uma crise regional de endividamento.
Os investidores financeiros privados já estão retirando seu capital da região. Como investidor, a China poderia aproveitar a situação e emprestar dinheiro a países que perderam sua credibilidade, em troca de garantias nas áreas de agricultura, mineração e energia.
O enfraquecimento das moedas também está impedindo que se façam futuros empréstimos no exterior. Os juros e os pagamentos em dólares tornaram-se proibitivamente caros para todos aqueles que não ganham na moeda americana. Os pesos e o real mais fracos também têm vantagens: os déficits da balança comercial, por exemplo, se reduzem mais rapidamente porque os países (possivelmente) importam menos.
No entanto, a região dificilmente poderá aproveitar a principal vantagem de uma moeda fraca: após a crise, a América Latina não vai se tornar automaticamente um local competitivo simplesmente porque os custos caíram. Isso vale especialmente para o setor industrial.
Devido ao atraso tecnológico e às futuras cadeias produtivas globais mais curtas, é provável que a América do Sul se torne novamente um mero exportador de matérias-primas. Ainda não se sabe se a América Central e o México se beneficiarão de uma moeda mais fraca como fornecedores para os Estados Unidos. No entanto, isso parece improvável, dada a política isolacionista no norte do continente.
O controle estatal sobre a economia vai aumentar: por meio de impostos mais altos ou de empresas apoiadas pelo poder público. O alto desemprego e a crescente pobreza encolherão a distribuição de renda e, portanto, também o consumo. Além das exportações de matérias-primas, o principal motor de crescimento da América Latina cambaleia: a demanda das 630 milhões de pessoas.
Para investidores, ficará menos atraente investir na produção de bens de consumo na América Latina. Até recentemente, latino-americanos ansiosos para consumir ainda eram o principal incentivo para construir ou comprar fábricas na região. Esse argumento está agora perdendo força.
Os governos não conseguirão resistir à tentação de manter ou mesmo ampliar a autoridade adquirida durante a crise de coronavírus. Atualmente, isso pode ser observado em todos os países. No México, por exemplo, o presidente López Obrador saúda os efeitos benéficos da covid-19, que reduzem a influência excessiva do setor empresarial no país. Ao mesmo tempo, ele expande o controle estatal sobre a economia, como na Argentina e no Brasil.
O Estado de Direito e a democracia estão sofrendo pressão em todos os países, não importa o direcionamento político dos diferentes governos. A independência do Judiciário está sendo corroída, enquanto a mídia é assediada e os parlamentos, em que os governos não têm maioria, são hostilizados.
É provável que a tendência autoritária tenha continuidade diante da ameaça de novos distúrbios sociais, como foram vistos no ano passado em Chile, Equador, Colômbia e Bolívia. Os protestos deverão continuar, provavelmente, na era pós-coronavírus ‒ possivelmente com uma intensidade ainda maior, porque as consequências sociais da crise serão severas.
Se novas manifestações surgirem no final do ano, os governos não deverão hesitar em reprimi-las com o argumento de uma emergência nacional ou de uma grave crise. Durante a pandemia de coronavírus, os governos descobriram que a liderança autoritária foi bem recebida por um grande número de pessoas. É tentador apostar nos novos instrumentos.
Sem dúvidas: a América Latina enfrenta os maiores desafios políticos e econômicos dos últimos 50 anos.
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