Estádios às moscas na Alemanha?
10 de março de 2020Um dos orgulhos da Bundesliga é, sem dúvida alguma, a presença maciça de torcedores que preferem ver os jogos ao vivo e a cores nas modernas arenas espalhadas pelo país do que ficarem instalados preguiçosamente na poltrona de sua sala de estar. Na temporada passada, foram mais de 13 milhões de espectadores só na primeira divisão, o equivalente a uma média de 43.000 fãs por jogo.
A atual campanha 2019/2020 caminhava célere rumo a novos recordes de público até que o coronavírus atingiu o país em cheio. Enquanto escrevo esta coluna, já foram registrados ao todo 1.139 casos de contaminação dos quais 484 só no Estado da Renânia Norte-Westfália [na terça-feira, 10/03, o número de casos no país subiu para 1.218). Vale lembrar que é nessa região que pulsa mais forte o coração do futebol alemão. São ao todo 14 times, dos quais metade faz parte da divisão de elite, a Bundesliga.
Na última rodada foram vistas cenas raras de espaços vazios em algumas arenas, atestando a preocupação dos torcedores com uma eventual contaminação. E não é por menos. Via de regra, numa arena de futebol espectadores estão em estreito contato, não mantém distância uns dos outros e depois de um gol gritam a plenos pulmões e se abraçam efusivamente. Além disso, quando vão ao banheiro, tocam em botões e maçanetas.
No último domingo, o ministro da Saúde Jens Spahn recomendou fortemente que qualquer evento com mais de 1.000 participantes fosse imediatamente cancelado. Feiras, congressos e festas populares já tinham sido estornados anteriormente, como por exemplo, a ITB em Berlim, a maior feira mundial de turismo. A Feira de Hannover, inicialmente prevista para abril, foi adiada para meados de julho.
O estado-maior da crise, composto por membros do Ministério da Saúde e do Ministério do Interior, estabeleceu alguns critérios para classificar o risco de megaeventos. Muitos pontos citados caem como uma luva para jogos de futebol: milhares de pessoas com intensa interação física (abraços), não há registro individual dos dados pessoais dos torcedores e condições higiênicas restritas. Em resumo – é um prato cheio para eventuais contaminações em massa.
Enquanto isto, a Liga Alemã de Futebol (DFL) demorou para se manifestar a respeito, mas finalmente seu diretor executivo, Christian Seifert, declarou em comunicado à imprensa: "Se dependesse de nós, gostaríamos de contar com grande público nos estádios na próxima rodada, mas pelo visto isto não será possível. Nós decidimos que os jogos serão realizados, só não sabemos ainda se será com ou sem público. É uma decisão que caberá às autoridades sanitárias locais."
A DFL convocou uma reunião extraordinária para a próxima semana com todos os clubes das três divisões profissionais, com o objetivo de avaliar a atual situação de emergência e os procedimentos a serem adotados no futuro imediato.
Nessa reunião, os dirigentes dos clubes obrigatoriamente terão que levar em consideração uma nova advertência do ministro da Saúde, Jens Spahn, divulgada com toda ênfase nesta segunda-feira: "Expressamente recomendo, mais uma vez, que sejam cancelados imediatamente eventos com mais de 1.000 participantes. Certamente é mais fácil abrir mão de ir a um concerto, visitar um clube ou ver um jogo de futebol no estádio do que do caminho diário para o trabalho. A situação é séria. Que cada um faça sua parte e dê sua contribuição no combate ao coronavírus”.
O Secretário da Saúde do estado mais afetado pelo coronavírus, a Renânia Norte-Westfália, Karl-Josef Laumann, já adiantou num programa de TV que implementará as recomendações do governo federal.
Isso significa que os próximos jogos de futebol na região poderão ser realizados, mas sem a presença de público. De acordo com Laumann, essa determinação já vale para o derby entre Borussia Mönchengladbach e Colônia nesta quarta-feira (11/03).
Não bastasse isso, o clássico conhecido como "a mãe de todos os derbys" entre os arquirrivais Borussia Dortmund e Schalke 04, previsto para o próximo fim de semana, também será realizado com os portões fechados, sem a presença das duas torcidas mais intensas do futebol alemão. Nem nos seus piores pesadelos, os torcedores auri-negros e azuis-reais poderiam imaginar que seus times do coração fossem se enfrentar sem um único gato pingado nas arquibancadas.
Vale lembrar que, com o coronavírus o país vai encarar problemas bem mais relevantes do que estádios vazios ou cancelamentos de partidas de futebol. Com um eventual aumento exponencial de pessoas infectadas, o governo terá que encontrar respostas para o cotidiano da vida dos seus cidadãos. Como vão funcionar as escolas? Os hospitais estão preparados para uma eventual avalanche de cada vez mais pessoas contaminadas? Com uma eventual epidemia de grandes proporções, quais medidas de proteção ao cidadão serão adotadas no transporte público?
Como pode-se perceber facilmente, neste exato momento há questões mais importantes em jogo do que 22 homens correndo atrás de uma bola.
Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Desde 2002, atua nos canais ESPN como especialista em futebol alemão. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças. Siga-o no Twitter, Facebook e no site Bundesliga.com.br
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