O preço de Bayreuth
24 de julho de 2010De 10 a 12 anos: esse é o tempo médio que um wagnermaníaco precisa esperar por um ingresso para o Festival de Bayreuth. Isso se não pertencer à diretoria de nenhuma grande montadora de automóveis ou for casado, por exemplo, com a chanceler federal alemã. Ou se não estiver disposto a pagar uma pequena fortuna a um dos cambistas que se amontoam em torno do grande evento anual do mundo operístico.
O porta-voz do festival dedicado á obra de Richard Wagner (1833-1883), Peter Emmerich, descreve a atual relação de oferta e procura: "A situação é, no fundo, a mesma do ano passado, retrasado, e de todos os últimos anos: tem muito mais gente querendo do que há entradas".
Sendo mais preciso: a cada ano são disponibilizados 53.900 lugares. Desses, mais de 10 mil são distribuídos em diversos "contingentes especiais", destinados não só aos membros do governo alemão e à municipalidade da cidade bávara, como aos patrocinadores e a numerosas associações dedicadas a Wagner.
Acrescentem-se aí cerca de mil ingressos para jornalistas e jovens bolsistas. No fim, sobram cerca de 40 mil entradas colocadas à venda, enquanto a procura, segundo Emmerich, é de "quase meio milhão". O resultado: 12 anos na fila de espera!
Paciência
Esse tempo pode se estender ainda mais caso o melômano cometa um deslize, como se inscrever em um ano para ver O anel do Nibelungo, no outro para Parsifal ou Tristão e Isolda; ou deixar de se alistar religiosamente na lista de espera anual. Aí o sistema Bayreuth é impiedoso: o candidato volta para os últimos lugares.
Esse talvez tenha sido o caso daquela senhora que vinha aguardando desde 1991, sempre reservando duas entradas para o Anel ou para Tristão. E sempre recebia a mesma resposta: "Infelizmente não dispomos de mais entradas".
Em 2010, depois de 19 anos de paciência, ela resolveu mudar de tática. "Hoje, se uma boa conhecida minha e um cambista muito simpático não tivessem me ajudado, eu não estaria na minha querida Bayreuth, essa cidade maravilhosa!", comenta, grata.
"Moças azuis" e questão de sorte
A japonesa Aya Kashemitsu encontrou uma outra saída da lista eterna. Há dois anos ela se candidatou como "mocinha de azul", como são chamadas as recepcionistas da meca wagneriana – embora seu uniforme seja atualmente na cor da moda, lilás. "Ganhamos um assento na lateral. Mas é um lugar de onde não se vê nada!", comenta a jovem.
Apostar inteiramente na sorte também pode ser uma alternativa. Este é o caso de Ulrich Gössele, que chegou às 13h30 para ocupar o terceiro lugar na fila diante da bilheteria. Até o início da récita, ele tem algumas horas para bater papo com a funcionária e rezar para que uma erupção vulcânica ou onda de gripe mundial libere alguns lugares.
Por via das dúvidas, ele já traz o smoking numa sacola de pano. Pois a sorte pode mudar de última hora, como ocorreu há uns dois ou três anos atrás. "Estávamos neste mesmo lugar e a bilheteira perguntou: 'Alguém quer entradas para O Navio Fantasma ?'. Eu peguei. Conheço gente que mora aqui perto e, em vez de ir ao cinema à noite, dizem: 'Vamos lá dar uma olhada, quem sabe hoje dá certo...".
E se não der? "Bayreuth é bonita, o tempo está bom. Aí a gente sai para se divertir e amanhã está de novo na fila!"
Para os mais apressados
Essa estratégia funciona para quem, como Gössele, mora em Tübingen, a umas três horas de carro de Bayreuth. Para os que viajaram especialmente da Rússia ou do Japão até o templo da ópera e precisam garantir o sucesso da empreitada com meios mais palpáveis, o respeitável senhor tem uma dica.
"Está vendo aquele homem de camisa preta, com a bicicleta? Ele é um cambista famoso por aqui." Com sessenta e poucos anos, cabelo ralo penteado para trás, Dieter – é este o seu nome – está casualmente encostado numa coluna, portando, como tantos diante do teatro, um desconsolado cartaz: "Procuram-se ingressos".
"Pois sim!", duvida Gössele. "Ele quer um pelo preço normal para vender três, quatro vezes mais caro. Nós o conhecemos há muito tempo, há uns 10 ou 15 anos. Ele tem entrada proibida no teatro. Então, para que ele vai querer ingresso...?"
O "Homem da Bicicleta"
A repórter se dirige ao cambista, que primeiro a examina de alto a baixo, desconfiado. Não, ele não tem nenhum ingresso para ela. Mas um amigo seu talvez tenha. Ela que volte em duas horas.
Em seu escritório, a menos de 20 metros de onde age o "homem da bicicleta" – como o cambista notório já é conhecido nos meios bayreuthianos – o porta-voz Emmerich condena a prática. "Somos contra o câmbio negro em geral, fazemos todo o possível para que as entradas não caiam nele. Mas não somos tão ingênuos a ponto de acreditar que alguns controles ou bilhetes nominais vão impedir as vendas ilegais."
Passadas duas horas, Dieter parece estar mais tranquilo do que antes e fornece um endereço numa cidadezinha vizinha. Trata-se de um hotel todo decorado em homenagem a Wagner, perto do antigo correio. O "amigo", Peter, se mostra ligeiramente embaraçado. Normalmente ele nunca faz isso, mas por acaso um hóspede acabou de cancelar o pacote encomendado, com direito a pernoite e uma récita no Festival de Bayreuth...
O preço da beleza sem igual
O preço normal do ingresso é de 120 euros, a repórter tem que pagar três vezes mais: um valor relativamente em conta, comparado às fortunas exigidas no portal virtual de leilões Ebay. O bilhete traz um nome impresso: "Erik Berger, Wuppertal", mas isso ninguém confere. Agora, só resta esperar que o comprador não tenha pedido uma segunda via, alegando perda. Pois isso também acontece.
Afinal, por que todo esse investimento de tempo, dinheiro e paciência, "só" para ter estado em Bayreuth? Na entrada para o espetáculo, um espectador entre tantos tem a resposta na ponta da língua: "A gente quer tanto ouvir! A atmosfera da casa e a qualidade da execução são sempre inigualáveis. E essa sonoridade velada, justamente para Wagner... É de uma beleza sem igual!".
Autor: Anastassia Boutsko / Augusto Valente
Revisão: Soraia Vilela