Como opera a estratégia de influência da Rússia na África?
27 de julho de 2023A Rússia está tentando minar a democracia em mais de vinte de países africanos, afirmou uma pesquisa do Centro Africano de Estudos Estratégicos, uma instituição acadêmica do Departamento de Defesa dos EUA, divulgada em junho.
Para isso, as principais ferramentas utilizadas são: interferência política, desinformação e reivindicações de poder não amparadas pelas constituições. E, em alguns casos, elas de fato funcionam.
Na última Assembleia Geral da ONU, em fevereiro, países como Botswana, Zâmbia e Tunísia votaram pela paz "justa e duradoura" na Ucrânia, enquanto Mali e Eritreia votaram contra, e 15 outros países africanos se abstiveram na votação.
Por trás disso, pode estar a influência russa nos países africanos. Mas como exatamente Moscou fortalece as narrativas pró-Rússia e antiocidentais? Veja abaixo algumas das perguntas e respostas mais importantes.
Por que a África é um alvo importante da propaganda russa?
Um dos principais objetivos da Rússia é obter a legitimação diplomática de sua guerra na Ucrânia.
"A Rússia realmente precisa da África", disse à DW Mark Duerksen, pesquisador associado do Centro Africano de Estudos Estratégicos. Isso vale especialmente agora que Moscou enfrenta um crescente isolamento internacional.
Governos africanos que carecem de um sistema doméstico de freios e contrapesos acabam criando um ambiente que favorece a ingerência russa no continente. Muitas vezes, eles próprios estão isolados internacionalmente, sendo, portanto, parceiros bem-vindos para Moscou.
"Mesmo antes da guerra na Ucrânia, vimos a Rússia tentando agressivamente construir apoio para suas políticas, frequentemente quando elas eram contrárias às políticas europeias, da Otan ou da América do Norte", disse à DW Justin Arenstein, CEO da Code for Africa, a maior rede civil sobre tecnologia do continente africano.
A Rússia, por outro lado, é importante para muitos países africanos no Conselho de Segurança da ONU — e tradicionalmente fica do lado de outros países autocráticos. Em outubro de 2019, por exemplo, depois que Omar al-Bashir, ex-presidente do Sudão, foi deposto em um golpe, a Rússia bloqueou o apelo da ONU para condená-lo.
"O lugar da Rússia no Conselho de Segurança da ONU é problemático para o avanço da democracia na África", disse à DW Joseph Siegle, pesquisador do Centro Africano de Estudos Estratégicos.
Arenstein, da Code for Africa, também chamou a atenção para o fato de que o Kremlin busca mercados alternativos às economias do norte da Europa e dos EUA, das quais está atualmente bloqueado.
A influência do Grupo Wagner na África
Além disso, o envolvimento militar da Rússia desempenha um papel importante nos países africanos. Os mercenários do Grupo Wagner estão ativos em países como Mali, Líbia e República Centro-Africana.
Em troca de seus serviços, as tropas do Wagner obtêm acesso a matérias-primas como o ouro. O grupo paramilitar também desempenha um papel importante na expansão da influência política do Kremlin.
No Mali, por exemplo, depois de dez anos apoiando a luta contra militantes islâmicos, a França teve que retirar suas tropas sem ter alcançado o impacto desejado. O país africano também solicitou que a ONU retirasse sua missão de manutenção da paz Minusma. Claramente, o Mali está se distanciando das antigas potências coloniais e, em vez disso, colaborando mais estreitamente com a Rússia.
De acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz em Estocolmo (Sipri), 44% das armas vendidas para países africanos entre 2017e 2021 eram de origem russa.
Como a propaganda de Putin é divulgada nos países africanos?
A Rússia usa as mídias sociais para espalhar grande parte de sua propaganda e desinformação. Segundo Duerksen, essa estratégia é particularmente bem-sucedida em países que carecem de uma tradição profunda de imprensa independente e livre. Um exemplo é o vídeo abaixo, voltado para Mali, Burkina Faso e Costa do Marfim.
O Grupo Wagner é o tema principal de vários vídeos de propaganda em desenho animado exibidos no continente. Numa das cenas do exemplo acima, soldados russos lutam no Mali contra zumbis franceses, simbolizando as tropas da França. Os zumbis dizem ser os demônios do presidente Emmanuel Macron e que Mali "é o nosso país". No meio dos combates, uma serpente gigantesca do lado inimigo acrescenta: "A França vai reconquistar a África". Tal narrativa de um Ocidente "neocolonialista" é frequentemente usada pela Rússia.
Esse tipo de propaganda está diretamente ligado à Rússia, afirma o jornalista Dimitri Zufferey, da organização não governamental All Eyes On Wagner, que rastreia as atividades do grupo paramilitar. "Sabemos que há dinheiro russo envolvido em associações políticas", conta Zufferey à DW. Provavelmente, o vídeo foi produzido por um grupo de pessoas em Burkina Faso trabalhando para a Rússia, avalia.
O pesquisador Duerksen também aponta para o papel desempenhado pelos influenciadores africanos pagos por Moscou para espalhar a propaganda russa. Kemi Seba, um influenciador franco-beninense com mais de 1 milhão de seguidores no Facebook, por exemplo, publica com frequência conteúdo antiocidental e pró-russo. Logo após a invasão da Rússia na Ucrânia, ele afirmou que Moscou estava "tentando reconquistar as terras russas".
Uma grande rede de mídia espalhando propaganda na África
As embaixadas russas também desempenham um papel importante na disseminação da desinformação, como mostra o exemplo a seguir.
No início de julho, a embaixada russa na África do Sul postou uma suposta captura de tela de um artigo do site Politico com o título "20 milhões de vidas em nome da liberdade".
Na postagem, foi acrescido o seguinte comentário: "(...) a Otan está forçando uma guerra a ser travada até o último ucraniano". No entanto, basta um olhar mais atento e um pouco de pesquisa para ver que a imagem é falsa: o Politico nunca publicou tal artigo. A gramática e a ortografia vistas na captura de tela falsa estão cheias de erros, além de o logotipo do jornal ter sido igualmente fabricado. A embaixada russa na África do Sul já deletou a postagem, mas até isso acontecer o post já havia alcançado mais de 100 mil visualizações no Twitter.
O canal estatal russo RT também expandiu sua rede na África. A emissora tem vários empreendimentos midiáticos no continente, como a Afrique Media, que divulga propaganda pró-Rússia e antiocidental. Estações de rádio e jornais financiados por instituições russas, como Lengo Songo e Ndjoni Sango na República Centro-Africana, já foram inclusive temas de reportagens da DW em idioma francês.
A Rússia consegue de fato influenciar os países africanos?
A propaganda russa consegue, sim, atingir alguns países africanos, mas nem todos. De acordo com um levantamento do Centro Africano de Estudos Estratégicos, a influência da Rússia é maior na República Centro-Africana (RCA), no Mali, no Sudão e no Zimbábue — justamente países onde o Grupo Wagner atua.
Segundo Mark Duerksen, a RCA está no topo da lista quando se trata de influência russa, especialmente na forma de treinadores militares que atuam como conselheiros do presidente.
A popularidade da Rússia também remonta aos tempos soviéticos e ao fato de não estar entre as potências coloniais durante a era da colonização. Isso lhe dá uma clara vantagem, até porque muitos países africanos contaram com o apoio do Kremlin quando lutavam pela independência no século 20.
Ainda assim, muitos cidadãos africanos estão divididos quando se trata da guerra na Ucrânia. Uma pesquisa realizada em junho na África do Sul, Quênia, Nigéria, Senegal, Uganda e Zâmbia mostra que a maioria acha que a invasão russa da Ucrânia foi contra os princípios do direito internacional.
Embora a Rússia não seja o único país ou região tentando influenciar a África, Justin Arenstein, da Code for Africa, vê a liderança russa como uma grande ameaça para os africanos: "Ela mina as sociedades abertas. Ela mina a capacidade dos cidadãos de fazer suas próprias escolhas," avalia.