Como as Spice Girls inspiraram garotas de todo o mundo
10 de janeiro de 2024A primeira vez que assisti ao clipe de Wannabe – o single de estreia do grupo pop britânico Spice Girls, de 1996 – foi na época dos jornais impressos. Eu conversava com meus colegas da editoria de entretenimento quando o vídeo foi ao ar na MTV.
Assistimos atônitos enquanto o quinteto formado por Victoria Adams (hoje Beckham), Emma Bunton, Geri Halliwell (hoje Horner), Melanie Chisholm e Melanie Brown entrava descaradamente num hotel de luxo, dançando e cantando "friendship never ends" ("amizade nunca acaba") e introduzindo "zig-a-zig-ah" no vocabulário inglês.
Até mesmo seus apelidos icônicos eram intrigantes. Posh, Baby, Ginger, Sporty e Scary Spice – esta última, Mel B, chamou minha atenção por um motivo específico: seu cabelo e sua ousadia.
"Se você parasse de alisar o cabelo e o deixasse crescer, ficaria igual a ela!", exclamou um colega, enquanto nossas cabeças balançavam em uníssono ao som do hit de sucesso, que agora acumula mais de 1 bilhão de transmissões no Spotify.
Poder feminino
Eu fui impiedosamente caçoada por causa do meu cabelo cacheado enquanto crescia na Malásia nos anos 1970 e 1980. Entre meus colegas de escola de origem malaia, chinesa e até mesmo indiana, como a minha, meu cabelo incomodava, atraindo comentários desagradáveis, inclusive de completos estranhos. Talvez como mecanismo de defesa, tornei-me uma mulher firme e obstinada, mas sempre fui repreendida por não ser suficientemente recatada e gentil.
Estudar no exterior ajudou a ampliar minhas percepções de autoconfiança e beleza. Mas então voltei a ser uma "minoria" em casa – e me conformei em tentar me integrar, o que incluiu anos de alisar os cachos e morder a língua.
E então essa banda, que completa 30 anos, invadiu meu mundo de 20 e poucos anos, espalhando seu evangelho de celebrar a individualidade e falar o que pensa: Girl power – poder das garotas, como elas o chamam. E eu me converti.
Feministas de decote?
Os críticos, que muitas vezes descreviam as Spice Girls como uma banda pop fabricada, não se limitavam a criticar suas vozes, mas também sua marca de feminismo.
Geri Halliwell-Horner, também conhecida como Ginger Spice – que chegou a transformar a bandeira do Reino Unido num item fashion – fez até mesmo um "juramento de poder" em 1997: "Eu, de mente sã e com um Wonderbra [sutiã com aro que realça os seios] novo, prometo solenemente vibrar, dançar e zig-a-zig-ah. Ariba! Girl power!"
Sem dúvida, não são frases que entrariam para a história da oratória. Contudo as Spice Girls e suas músicas personificavam a autonomia, a individualidade e a amizade entre mulheres. E não é por isso que a maioria dos defensores dos direitos femininos luta? Para que as mulheres sejam livres para fazer o que querem, "o que elas realmente, realmente querem", como diz a letra de Wannabe?
Em entrevista à emissora britânica BBC em 2017, Halliwell-Horner afirmou: "Na verdade, o girl power representa muito mais do que um gênero. É para todo mundo. Todo mundo merece o mesmo tratamento, seja qual for a raça, gênero ou idade."
Inspiração para os astros de hoje
Várias estrelas da geração Z e millennial atribuem às Spice Girls o mérito de também as terem inspirado. A superestrela britânica Adele estava entre os milhares de fãs que compareceram ao show de reunião da banda em 2019 em Londres.
"Não é segredo para ninguém o quanto eu as amo, o quanto elas me inspiraram a correr atrás da minha vida e nunca olhar para trás. Finalmente pude conhecer Ginger, 'enchi a cara' com as garotas e, francamente, não consigo acreditar no quanto evoluí", escreveu no Instagram a cantora vencedora de 16 Grammys. Um vídeo de Adele cantando Wannabe no quadro Carpool Karaoke de um famoso programa de televisão americano viralizou em 2016.
Sam Smith, artista não binário do Reino Unido, publicou uma foto no Instagram vestindo uma camiseta com a hashtag "I wanna be a Spice Girl". O próprio grupo respondeu: "Você está dentro."
A propósito, as Spice Girls há muito têm seguidores fiéis LGBTQIA+. Elas chegaram a mudar a letra de seu hit 2 become 1 para torná-la mais inclusiva. Em 2021, para comemorar o Dia do Orgulho, vestiram camisetas com a frase "proud and wannabe your lover" ("orgulhosa e quero ser seu amor") escrita com as cores do arco-íris.
Em 2018, a atriz americana e vencedora do Oscar Emma Stone disse num programa de televisão que sua obsessão pelas Spice Girls contribuiu para inspirar seu nome artístico. "Quando estava crescendo, eu era superloira. Meu nome verdadeiro é Emily, mas eu queria ser Emma por causa da Baby Spice. E, sabe o quê? Agora eu sou."
E no podcast Breaking Beauty, em 2021, Victoria Beckham contou que a cantora Beyoncé lhe dissera uma vez: "Foram as Spice Girls que me inspiraram e me fizeram querer fazer o que eu faço."
Sem contar a onda de bandas femininas não apenas do Reino Unido, mas de todo o mundo, da Tailândia à Alemanha, que mencionaram as Spice Girls como fonte de inspiração.
As sul-coreanas do Blackpink, o maior grupo feminino de K-pop do mundo, afirmaram que gostavam muito do fato de as Spice Girls terem suas próprias personagens individuais. "E isso era algo que estávamos buscando. E foi esse girl group tão icônico que crescemos ouvindo."
Do topo das paradas a coleção de selos
Formado em 1994, o Spice Girls se tornaram o maior grupo feminino de todos os tempos, vendendo mais de 100 milhões de discos em todo o mundo e alcançando nove vezes o topo das paradas no Reino Unido.
Depois de seu primeiro single, Wannabe, em 1996, o grupo lançou três álbuns de sucesso e o filme Spiceworld. Sem Victoria Beckham, a banda se reuniu pela última vez em 2019, para uma turnê pelo Reino Unido.
Em comemoração a seus 30 anos, elas se tornaram o primeiro grupo pop feminino a estampar uma coleção inteira de selos do Royal Mail, o serviço postal nacional do Reino Unido. É a sexta vez que um grupo musical recebe uma homenagem do tipo, depois dos Beatles em 2007, Pink Floyd em 2016, Queen em 2020, Rolling Stones em 2022 e Iron Maiden em 2023.
"Estamos muito animadas por ser homenageadas pelo Royal Mail, ao lado de algumas das mais icônicas e influentes lendas da música", comentou o grupo num comunicado. "Quando formamos as Spice Girls, não podíamos sonhar que 30 anos depois íamos ser o primeiro girl group a receber uma coleção inteira de selos, isso sim é girl power!"