Covid-19 pode virar a peste negra brasileira
17 de março de 2020Antes das eleições de 2018, escrevi aqui sobre a hostilidade do bolsonarismo em relação à ciência. Agora, está comprovado aonde isso leva. Direto para a catástrofe. A situação no Brasil pode muito bem ser comparada à Idade Média na Europa. Naquela época, o fanatismo religioso fez com que fossem esquecidos os conhecimentos dos gregos e romanos no campo da higiene. Um resultado: a peste negra atravessou a Europa e matou milhões que nem sabiam como pegaram a doença, porque o veículo de transmissão – pulgas que passavam de ratos para humanos – era desconhecido.
A covid-19 é a peste negra do Brasil. Se o novo coronavírus fizer com que milhares de brasileiros adoeçam nas próximas semanas e levar não apenas o sistema de saúde, mas também a sociedade brasileira à beira do caos, haverá para isso um principal culpado. O nome dele é Jair Bolsonaro, ele é chefe de Estado de 210 milhões de pessoas e disse que não se importa com o coronavírus. Ele age de forma criminosa. Muitos brasileiros já consideram seu presidente perigoso, com traços de psicopata, e o país faria bem em removê-lo o mais rápido possível. Razões para isso haveria muitas. Também não parece mais absurdo que os generais já estejam fartos do caos que o presidente está causando, enquanto uma pandemia ameaça o Brasil.
O problema não é apenas a maldade do presidente, que, por vaidade e cálculo político, coloca em risco a vida de centenas de pessoas e desrespeita acintosamente as recomendações da Organização Mundial da Saúde. É, antes, sua limitação cognitiva. A visão de mundo de Bolsonaro e de seus seguidores é, na sua primitividade, algo difícil de superar. Tudo o que é complexo demais para eles, descrevem como invenção da mídia e dos comunistas. Foi o que o bispo Edir Macedo, chefe da medieval IURD, acabou de dizer, literalmente, sobre o coronavírus.
Já em 2019 foi possível ver até onde a hostilidade à ciência do bolsonarismo pode levar, quando o presidente demitiu um dos cientistas mais respeitados do país ao ficar contrariado com seus dados sobre os incêndios florestais na Amazônia. Isso deveria ter sido um aviso. Porque decisões responsáveis são tomadas com base no conhecimento, e não no delírio. Quando se trata de resolver problemas reais, como a pandemia do coronavírus, a verdade tem uma clara vantagem prática: ela funciona. E, da mesma forma: quem sabe muito, se torna humilde; quem sabe pouco, arrogante. E arrogância é, definitivamente, algo que não falta a este presidente e à sua turma.
Na Europa e, especialmente, na Ásia, vê-se agora como a ciência é importante para lidar com a pandemia do coronavírus. Aumenta novamente a demanda por cientistas e políticos sóbrios, enquanto os populistas, com suas mentiras e teorias da conspiração, são postos de lado. A situação é extrema demais para ser relegada a extremistas. Mas no Brasil, o extremista ocupa o mais alto cargo do Estado.
O governo brasileiro teve tempo suficiente para evitar o pior quando os dois primeiros casos de covid-19 foram notificados em São Paulo. Se o governo cuidasse do bem-estar dos brasileiros, rapidamente teria começado a restringir a vida pública e a preparar a população. Hoje, se conhece, a partir dos exemplos de China, Itália, Espanha e França, a forma rápida e devastadora com que o coronavírus pode se espalhar. Também está claro que isso não interessa ao presidente e a seus seguidores.
O filósofo Harry G. Frankfurt escreve em seu livro On Bullshit (Sobre falar merda) que o "bullshitter" é pior que o mentiroso, porque este último ainda tem pelo menos uma conexão com a verdade que ele nega. Já o bullshitter não se importa com nada. Ele diz qualquer absurdo para agradar seus seguidores e satisfazer sua vaidade.
Se o bullshitter é seu vizinho José ou sua tia Márcia, pode até ser bastante divertido. Mas se o bullshitter é o presidente do Brasil e se, ao mesmo tempo, o país enfrenta uma pandemia, então realmente é possível que venha o pânico contra o qual todos estão alertando. O problema não se chama coronavírus. Ele se chama Bolsonaro. O tempo está voando.
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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais na Alemanha, Suíça e Austria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.