'Cientistas não querem destruir o mundo'
10 de setembro de 2008Nesta quarta-feira (10/09) foi posto em atividade com êxito o LHC (Large Hadron Collider – Grande Colisor de Hádrons), o maior acelerador de partículas subatômicas do mundo, no centro de Conselho Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN), de Genebra. Um acontecimento científico espetacular, cercado de enormes expectativas.
Além de procurar reproduzir as condições que levaram ao Big Bang, uma das razões de ser do projeto é a pesquisa da ainda misteriosa "matéria escura". O experimento também desperta em alguns o temor de que se criem buracos negros que eventualmente fariam desaparecer a Terra.
O norte-americano Frank Wilczek – Prêmio Nobel da Física, professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) de Cambridge e autor de The lightness of Being –, em contrapartida, antecipa uma época áurea para a ciência. A DW-WORLD.DE o entrevistou com exclusividade.
DW-WORLD.DE: Professor Wilczek, os meios de comunicação confirmam que o senhor recebeu ameaças de morte em relação ao projeto LHC. Por que estas ameaças se dirigem especificamente ao senhor, e não a outros cientistas?
Frank Wilczek: Não estou seguro de ser o único. Há temores distintos quanto aos desastres que o LHC poderia causar. Tomei parte de uma comissão que realizou relatórios a respeito. Além do mais, sou um cientista destacado que rechaçou idéias que despertavam uma série de fantasias na mente das pessoas, e dei muitas entrevistas sobre o mesmo tema.
Assim, de alguma maneira me transformei num símbolo para alguns e considero uma pena que as primeiras perguntas da mídia se refiram precisamente a estas ameaças. O LHC é um projeto científico emocionante, e me envergonha um pouco toda esta celeuma. Os verdadeiros heróis do LHC são os que o construíram e os que realizaram os experimentos. Neles deveria centrar-se a atenção, assim como nos avanços científicos que resultarão desse projeto.
Como explica o tom marcadamente emocional com que se tem recebido o projeto?
Em geral, o ser humano teme o desconhecido. É lógico pensar que haja perigo em algo que não somos capazes de compreender. Ao mesmo tempo, há necessidade de saber o quanto antes sobre riscos potenciais. Também é certo que, desde o final da Segunda Guerra Mundial, a gente associa os cientistas com temas como a bomba atômica e a era nuclear. O que nós, físicos, fazemos é algo muito diferente, mas as pessoas fora do campo científico não diferenciam estes detalhes. Aqui não está em jogo a construção de nenhuma bomba.
Outro aspecto é que, com freqüência, as pessoas utilizam as mesmas palavras para designar coisas diversas. Algo que causou grande temor foi a possibilidade de que se produzam buracos negros quando o LHC começar a funcionar. Neste sentido, circulam idéias muito especulativas de que se produziriam buracos negros mínimos.
Embora se empregue a mesma palavra, buracos negros pequenos e grandes são coisas basicamente distintas. Os que se poderiam produzir no LHC são muito menores do que um átomo, ainda menores do que um simples próton, e absorvem menos energia do que um grama de matéria. Ademais, são totalmente instáveis, vibram por um lapso muito mais curto do que um segundo. Nós os chamamos "buracos negros", porém nada têm a ver com os que seriam capazes de absorver tudo ou produzir algum tipo de catástrofe.
Entretanto, especialistas como o professor Otto Rössler de Tübingen alegam não estar 100% garantido que o projeto não seja perigoso. De forma que não apenas é necessário convencer o grande público da inocuidade do projeto, como também parte da comunidade científica. Por que não houve uma discussão sobre o LHC entre os próprios cientistas?
Houve, sim. Há todo um processo muito complexo, em que se analisam e elaboram os relatórios pertinentes. Milhares de pesquisadores – ou, no caso do LHC, dezenas de milhares – trabalharam junto com suas famílias, e eles não perseguem o propósito de colocar o mundo em perigo. Se existisse risco real, creia-me, estaríamos ouvindo a oposição de milhares de cientistas, e não de um punhado de pessoas alheias ao projeto.
Há um consenso científico esmagador quanto à segurança do LHC, baseado na revisão de milhares de documentos e numa discussão muito aberta entre peritos. Assim, não há conspiração nem secretismo. Eu mesmo estive envolvido na elaboração de cenários negativos [worst case scenarios], e me parece equivocado transmitir a impressão de que os cientistas estejam em conflito sobre este tema. Os que se opõem são muito, muito poucos.
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Como este projeto pode modificar nossa visão do mundo?
Está claro que não sabemos o que ocorrerá. Por isso realizamos esta experiência, para saber em detalhes o que vai acontecer. Pode ser que se produzam algumas grandes surpresas. Contamos com equações muito precisas que nos dizem como se formou a matéria, mas não fomos capazes de desmembrá-la para conhecer sua composição exata. Supomos que parte do universo é formada por uma espécie de vazio. Mas pela primeira vez poderemos saber que tipo de átomo forma essa matéria. Comumente se refere a isto como "a busca das partículas Higgs", mas pode ser que não se trate de um único tipo de partícula, e sim de toda uma combinação de fatores e elementos.
Em todo caso, esperamos averiguar de que é feito o espaço. De um lado, podem-se elaborar toda uma série de equações belíssimas que combinariam todas as descrições das forças físicas da natureza, presentes até agora em teorias separadas. Poderia resultar numa grande teoria unificada com este "trabalho de campo". Mas para tal temos que incorporar os achados deste exercício prático e que poderá revelar existirem novas partículas. Temos equações maravilhosas que não foram submetidas ao ensaio prático.
Por último, os astrônomos constataram recentemente que grande parte da massa do universo não é formada por matéria como a estudamos na biologia ou na química, composta de prótons, nêutrons, quarks e todas essas coisas que já entendemos bem. É algo novo, que se chama "matéria escura" e interage de modo muito débil com a matéria normal. Assim, grande parte do universo tem uma conformação que ainda nos é desconhecida, e com este projeto poderíamos produzir uma quantidade suficiente de matéria escura para estudá-la a fundo. É a conexão entre a física fundamental e a cosmologia. Entretanto, como disse, pode-se produzir alguma surpresa.
Explique-nos, por favor: o que sucede hoje em Genebra?
O que hoje toma lugar é um grande feito de engenharia. Se tudo sair bem, de início teremos prótons circulando por todas as partes do túnel, em condições de grande – mas não definitiva – aceleração. Será um divisor de águas, mas ainda não é o começo do experimento físico. Não haverá colisões nem se estudarão novos fenômenos. Basicamente, trata-se de verificar se a máquina funciona direito.
A experiência só inicia, se tudo sair bem, no ano que vem. Quando se produzirão os primeiros resultados, isto depende, naturalmente, do que formos descobrindo e também de quão rapidamente nós mesmos entenderemos os aspectos técnicos do LHC. É difícil fornecer uma data precisa, mas espero que dentro de um ano possamos saber mais sobre os tópicos que mencionei e determinar se vamos por um caminho acertado ou se deveremos esperar mais três ou quatro anos.