Em uma foto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva segura o braço do chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, que, com o corpo meio duro, dá um sorriso congelado. Lula é todo risos e gestos largos, enquanto o alemão parece contido e até meio sem graça. As imagens são de um encontro dos dois no domingo (03/12), em Berlim, durante a visita oficial de Lula.
Na segunda-feira, os dois posaram juntos novamente. Dessa vez, abraçados. No vídeo do momento em que eles fizeram a foto, divulgado pelo governo brasileiro, é possível ver Lula literalmente puxando Scholz para um abraço. Depois, o brasileiro ainda levanta o braço do colega alemão, que não tem como resistir.
Me diverti muito quando vi essas imagens. Isso porque elas ilustram perfeitamente bem alguns dos choques culturais que nós, brasileiros, vivemos na Alemanha. Assim como Lula, costumamos assustar pessoas com nossos abraços.
Claro que há exceções. Mas nós, brasileiros, em geral, somos mais adeptos do toque corporal e muito expansivos, enquanto os alemães costumam ser mais moderados e contidos.
Para vocês terem uma ideia, aqui é comum que as pessoas se cumprimentem com apertos de mão. E se eu contar que no Brasil nós sempre nos cumprimentamos com beijinhos, talvez eles se assustem. Claro, há exceções. Mas a norma é cumprimentar as pessoas de uma maneira mais formal.
Ou seja, como moro aqui há quase dez anos, entendo que um chefe de Estado alemão não tenha o impulso de sair abraçando seus colegas. Eu mesma, quando vou ao Brasil, tenho que me controlar para não pagar o mico de cumprimentar amigos com apertos de mão.
Frieza e antipatia?
Em janeiro, quando o chanceler federal alemão esteve no Brasil, muitos repararam na diferença de comportamento entre os dois líderes. Scholz parecia sem graça em meio às calorosas manifestações de apreço do presidente brasileiro.
Na ocasião, muitos falaram que ele era "antipático e frio". Sinceramente? Não acho que seja. Ele me parece ser um cara legal. As atitudes de Scholz diante dos toques corporais de Lula me parecem ser as de um alemão típico, daqueles clichês, que não gostam muito de abraçar e ficam sem graça com contato físico. Ou seja, o oposto de brasileiros calorosos e animados como Lula. Essas são diferenças culturais. Afinal, no geral, fomos criados com mais toque corporal do que os europeus do norte.
Esses choques de cultura nos fazem viver situações engraçadas. Uma vez, meu marido precisou sair e fiquei em casa esperando uma velha amiga dele chegar. Eu já a conhecia e gostava dela. Por isso, não pensei duas vezes: a recebi com um abraço apertado e também dei um beijo. Ou melhor, tentei. Ela ficou assustadíssima e saiu do meu abraço com cara de pânico, meio trêmula. Quando narrei a situação para o meu marido, ele teve um ataque de riso: "não acredito que você tentou beijar a Daniela", disse. E contou que nunca tinha abraçado a amiga. E pasmem, era uma amizade de mais de 20 anos.
Essa mesma amiga, assim como Scholz, também fala muito baixo: outro choque cultural que temos por aqui. Em geral, falamos muito mais alto que os alemães. Um amigo brasileiro que mora em Berlim costuma brincar que, quando vamos com vários brasileiros em um restaurante, o garçom, quando chega em casa, comenta com a mulher: "tive um dia péssimo no trabalho, tinham umas pessoas gritando".
Não, não estou falando que estamos errados de falar alto. De forma alguma. Os alemães também não estão errados de falar baixo e de serem mais sóbrios e contidos nas interações corporais. Ninguém é melhor que ninguém. Somos apenas diferentes. E, na verdade, acho que podemos aprender uns com os outros.
Tenho certeza que abraços apertados fazem bem para quem não está acostumado com eles. Se os brasileiros exportarem esses hábitos, pode ser bom. Em troca, os brasileiros podem importar a pontualidade dos alemães. Só para citar uma das inúmeras boas características deles…
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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.