China entre o controle ideológico e a abertura econômica
10 de novembro de 2013No fim de outubro de 2013, a Justiça chinesa confirmou, como era de se esperar, a sentença de prisão perpétua para o ex-dirigente comunista Bo Xilai, marcando a meteórica queda de quem fora, um dia, uma das maiores estrelas políticas chinesas. Desse modo, o Partido Comunista colocava um ponto final num dos maiores escândalos políticos das últimas décadas. E a figura de proa e esperança da assim chamada "Nova Esquerda" desaparecia atrás das grades.
Mas a política neomaoísta iniciada por Bo Xilai segue viva. Ela encontra continuação e aplicação justamente nas mãos do inimigo político de Bo, o novo presidente e chefe do Partido Comunista Xi Jinping. O pesquisador Sebastian Heilmann, especialista em China da Universidade de Trier, na Alemanha, vê como fundamentalmente novo o fato de se dar seguimento e propagar conceitos, métodos e programas políticos de um homem condenado como criminoso. "O nome do criador, Bo Xilai, é dissociado de seu próprio programa", afirma Helimann.
Já há algum tempo, observadores vêm registrando uma orientação dos novos líderes políticos em direção ao maoísmo. Um deles é o publicitário Willy Lam, de Hong Kong, que acaba de escrever um livro sobre Xi Jinping. Segundo Lam, desde que foi eleito chefe do partido, em novembro do ano passado, Xi adotou uma linha conservadora, que pode ser caracterizada como maoísta.
De fato, o novo chefe de Estado e de partido evoca o legado de Mao como nenhum outro chefe de Estado desde a morte do "Grande Timoneiro", em 1976. Xi visitou o memorial de Mao e se posicionou contra o resgate crítico dos crimes e erros catastróficos do líder. Em junho, Xi juntou-se a uma grande "campanha de retificação" no estilo maoísta: durante um ano, o partido deve ser purgado de "extravagância" e corrupção, e ser colocado "em linha com as massas".
Sete temas tabu
Além disso, a nova liderança partidária também reforçou o controle sobre a ideologia e os meios de comunicação de massa, prossegue o jornalista de Hong Kong, referindo-se em especial ao assim chamado "Documento n° 9".
Em circulação nos meios partidários de todo o país, essa diretriz adverte enfaticamente contra "sete ameaças" à ideologia estatal – ou seja, temas que não devem ser abordados pela mídia, escolas ou universidades: os valores universais, a sociedade civil, os direitos civis, a liberdade de imprensa, a independência do poder judiciário, os erros do partido no passado e os privilégios dos quadros partidários.
Desde julho de 2013, a mídia vem sendo disciplinada. Segundo a justificativa apresentada no jornal estatal Diário do Povo, como a qualidade do jornalismo vem oscilando, os mais de 300 mil profissionais da mídia precisariam passar por treinamento. Trata-se de "valores essenciais", a serem veiculados em cursos com vários dias de duração.
Onda de prisões
Sebastian Heilmann vê nessa mudança para o pensamento maoísta, acima de tudo, um truque retórico. "A liderança política quer ganhar apoio na ala esquerdista da sociedade" – uma meta de grande relevância, enfatiza o especialista, apoiado em pesquisas de opinião chinesas.
"Até mesmo na economicamente próspera província de Cantão, no sul da China, 38% dos entrevistados tendem a posições de esquerda, assim como a uma certa nostalgia de Mao. É também uma questão de justiça social, e essas são forças poderosas, que nenhuma liderança chinesa pode ignorar", analisa o especialista da Universidade de Trier em face do abismo cada vez maior entre pobres e ricos na China.
No entanto, as ações estatais não se restringem à mera retórica: o governo de Xi Jinping enviou para a prisão uma série de dissidentes, entre eles, líderes do chamado "constitucionalismo". Sua única exigência era que o governo e a administração do país respeitassem os parâmetros estabelecidos pela Constituição chinesa.
Perseguidos foram também ativistas dos direitos civis, por exigir nada além da divulgação do patrimônio dos funcionários estatais. E no entanto o próprio Xi Jinping declarara a luta contra a corrupção como prioridade. Mas Xi aposta no aparato partidário, e em consequência, segundo Heilmann, "o partido não consegue sair do velho dilema, de que ele próprio é que deve controlar a si mesmo".
Jogo duplo
Deste sábado até a próxima terça-feira (12/11), transcorre a terceira sessão plenária do Comitê Central do Partido Comunista, quando deverão ser apresentados os planos de reforma econômica do novo governo. É esperado um programa mais baseado no consumo interno, numa maior liberdade empresarial, e forma a manter o crescimento econômico.
Principalmente, o sinólogo Heilmann espera que seja anunciado um apoio especial para pequenas e médias empresas privadas. Certamente não é o que se possa chamar de política de esquerda, e Heilmann fala aqui de "jogo duplo". "Na área das reformas econômicas, há um compromisso claro. E no campo da política é tempo de consolidação de poder – e para tal se recorre, justamente, à retórica de esquerda."
Também Willy Lam vê o Partido Comunista entre dois extremos – coisa em que, no entanto, ele já vem se exercitando há bastante tempo: "Desde Deng Xiaoping ['líder supremo' da China de 1978 a1992], há essa separação entre economia e política", recorda o jornalista de Hong Kong. "A economia pode ser liberalizada até certo ponto, as forças de mercado podem ser introduzidas na economia. Mas na arena política e ideológica segue-se exercendo controle estrito, e opiniões divergentes não são toleradas."