China e OMS divergem sobre missão para investigar covid-19
6 de janeiro de 2021A China e a Organização Mundial da Saúde (OMS) estão trocando acusações sobre a presença no país de uma equipe de especialistas que pretende investigar as origens da pandemia de covid-19.
O diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, declarou-se desapontado com as autoridades chinesas por elas não terem permitido a entrada da equipe no país. O governo chinês reagiu e negou que tenha impedido o ingresso.
"Hoje [quarta-feira] soubemos que as autoridades chinesas ainda não finalizaram as permissões necessárias [vistos] para a chegada da equipe à China. Estou muito desapontado com essa notícia, visto que dois membros já começaram a viagem e outros não puderam partir no último minuto", disse Tedros, em Genebra.
"A China está em contato com a OMS para que especialistas possam visitar o país. A China está trabalhando muito nas ambiciosas tarefas de prevenção, mas ainda enfrenta dificuldades para acelerar os preparativos, algo que a OMS sabe perfeitamente bem", afirmou a porta-voz do Ministério do Exterior chinês, Hua Chunying, em resposta.
Ele acrescentou que "primeiramente é preciso concluir os procedimentos necessários e tomar as medidas pertinentes" e que as duas partes ainda estão em contato para marcar uma data e preparar a visita.
Viagem a Wuhan
A missão é formada por dez cientistas da Dinamarca, Reino Unido, Holanda, Austrália, Rússia, Vietnã, Alemanha, Estados Unidos, Catar e Japão, reconhecidos em diversas áreas de atuação. Alguns estão vinculados à OMS, outros à Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e outros à Organização Mundial de Saúde Animal.
Os integrantes da missão devem viajar, entre outros lugares, para a cidade de Wuhan, onde foram detectados os primeiros casos de covid-19, em dezembro de 2019. O objetivo inicial é encontrar a possível origem animal do coronavírus Sars-CoV-2, causador da covid-19, e identificar através de quais canais ele foi transmitido aos seres humanos.
A visita assemelha-se a uma missão secreta. As datas nem sequer foram especificadas, e a OMS divulgou inicialmente apenas que ela estava marcada para a primeira semana de janeiro.
Em busca da origem
"Não é uma questão de encontrar um país ou autoridades responsáveis. É uma questão de entender o que aconteceu para reduzir os riscos no futuro", ressaltou o epidemiologista Fabian Leendertz, do Instituto Robert Koch, responsável pela prevenção e controle de doenças na Alemanha, que participará da missão. "É preciso entender o que aconteceu para evitar que volte a acontecer", acrescentou.
"Partimos do princípio de que vamos começar lá onde estão as evidências mais sólidas: e isso são aquele mercado e a própria cidade de Wuhan", disse o epidemiologista.
"Todos sabemos que provavelmente o começo não foi lá", ressalvou, acrescentando que, entre as primeiras infecções, nem todas puderam ser relacionadas ao mercado Huanan. Mesmo assim, foram encontradas muitas pistas na área de venda de animais selvagens, disse.
"Há uma forte suspeita de que essa epidemia esteja relacionada com o mercado de animais selvagens", escreveu na época a agência de notícias estatal Xinhua. Pouco depois, o governo chinês proibiu o comércio de animais selvagens no local.
Leendertz disse que o mercado Huanan é o ponto de partida da investigação, mas ele rebaixou as expectativas. "Não vamos viajar para a China, vestir nossas fantasias de super-heróis, apanhar alguns morcegos e começar a limpar o mercado e a correr por hospitais", declarou.
Segundo ele, um ano depois do início da pandemia, trata-se sobretudo de conversar com os colegas chineses e avaliar quais pistas ainda podem ser seguidas. Se a hipótese do morcego se confirmar, a questão passará a ser analisar o local onde esses animais vivem e tentar identificar um hospedeiro intermediário.
Não é culpa da China
A presença de dez especialistas internacionais é considerada sensível para o regime chinês, que quer evitar qualquer responsabilidade por uma epidemia que já matou mais de 1,8 milhão de pessoas em todo o mundo.
A imprensa estatal e as autoridades têm difundido informações que indicam que o vírus teve origem no exterior, possivelmente via importação de alimentos congelados, o que é rejeitado pela OMS. Por vezes apontam para a Itália, outras vezes para Estados Unidos ou até para Índia como locais de origem da doença.
"Cada vez mais pesquisas sugerem que a epidemia pode ter aparecido em muitos lugares do mundo", disse recentemente o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi.
Muitos cientistas acreditam que o hospedeiro original do vírus seja um morcego, mas o animal hospedeiro intermediário que permitiu a contaminação humana é desconhecido.
Leendertz disse que a pandemia não é culpa da China. "Seres humanos se infectam o tempo todo com vírus e bactérias do mundo animal. Isso acontece em todos os lugares. Não é culpa da China ou de qualquer outro país se um vírus possivelmente passou de um morcego para um outro animal e depois para uma pessoa. É muito difícil impedir isso."
Na semana passada, as autoridades chinesas condenaram a quatro anos de prisão a jornalista independente Zhang Zhan, que fez cobertura do surto em Wuhan. "Qualquer informação sobre o vírus é altamente sensível e sujeita a avaliação antes de ser publicada", declarou uma jornalista de um órgão estatal chinês à agência de notícias Lusa.
Ceticismo entre colegas cientistas
Os especialistas internacionais terão que passar por uma quarentena de duas semanas após chegarem a Pequim e terão depois entre três e quatro semanas para realizarem os trabalhos de pesquisa.
A OMS avalia que os especialistas poderão investigar livremente. "A equipe irá para Wuhan, esse é o objetivo da missão", disse o chefe de emergências de saúde da instituição de Genebra, Michael Ryan, em meados de dezembro. "Vamos trabalhar com os nossos colegas chineses, eles não serão supervisionados por funcionários chineses", garantiu.
Mas muitos colegas deles não se mostram tão otimistas. "Eles chegam depois da batalha", disse o especialista em doenças infeciosas Gregory Gray, da Universidade de Duke, nos Estados Unidos.
"Será extremamente difícil encontrar a origem do vírus", opinou Ilona Kickbusch, do Instituto de Graduação em Estudos Internacionais e de Desenvolvimento de Genebra.
AS/lusa/efe/dpa