China amplia sua força no Oriente Médio
15 de março de 2023Depois de ter mediado um acordo de retomada de relações diplomáticas entre o Irã e a Arábia Saudita, na semana passada, o governo em Pequim parece estar disposto a desempenhar um papel maior no Oriente Médio, desafiando assim o domínio dos Estados Unidos nessa região rica em petróleo.
No acordo mediado de forma bem-sucedida pelos chineses, Arábia Saudita e Irã concordaram com a reabertura de embaixadas e com o envio de embaixadores depois de sete anos de tensões e relações diplomáticas cortadas.
A rivalidade entre o Irã e a Arábia Saudita, respectivamente as potências xiita e sunita no Oriente Médio muçulmano, dominou a política regional nos últimos anos, afetando não apenas os dois países, mas também outros, com os apoios a lados opostos em guerras por procuração do Iêmen até a Síria.
O governo em Pequim afirmou que se trata de um "grande resultado", obtido por meio de "esforços coordenados" entre os três países, e enfatizou que a China "não persegue qualquer interesse egoísta" e vai continuar apoiando os países do Oriente Médio.
"A China não tem intenção e não vai procurar ocupar o chamado vazio ou erguer blocos exclusivos", acrescentou, numa aparente referência aos Estados Unidos.
"A China continuará a contribuir com suas percepções e propostas para alcançar a paz e a tranquilidade no Oriente Médio e desempenhar seu papel como um grande país responsável neste processo."
Região complicada para a diplomacia
O acordo é um grande triunfo para a diplomacia chinesa, avalia a especialista Camille Lons, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres. Para ela, o acordo também marca uma mudança na estratégia de Pequim.
"Até agora, a China havia se recusado a se envolver em disputas regionais, e espertamente se beneficiava da segurança garantida pelos EUA, enquanto fazia negócios em toda a região", observa. "Ao se envolver mais politicamente, a China assume o risco de expor seus próprios limites."
O especialista em relações internacionais Ian Chong, da Universidade Nacional de Singapura, pondera que o Oriente Médio pode se revelar, para a China, um região complicada para se atuar politicamente.
"Há vários interesses e muitas tensões complicadas, então fica em aberto como a intermediação desse acordo entre o Irã e a Arábia Saudita vai se desenrolar", observa.
Ampla presença econômica no Oriente Médio
Nos últimos anos, a China manteve boas relações econômicas e políticas tanto com Riad como com Teerã.
A Arábia Saudita é o maior fornecedor de petróleo para a China, e o comércio entre os dois países chegou a 87 bilhões de dólares em 2021.
No mesmo ano, o comércio entre o Irã e a China alcançou 16 bilhões de dólares. O Irã depende do gigante asiático para 30% do seu comércio exterior.
A China também prometeu investir 400 bilhões de dólares no Irã ao longo de 25 anos.
O presidente chinês, Xi Jinping, viajou para a Arábia Saudita em dezembro passado para uma visita de Estado, e o presidente iraniano, Ebrahim Raisi, visitou Pequim em fevereiro.
Chong analisa que, ao mediar o acordo, Pequim sinaliza que pretende ser não apenas uma liderança econômica, mas que também quer se envolver na política do Oriente Médio, uma região que é a principal origem das exportações chinesas no setor de energia.
O especialista em relações entre o Oriente Médio e a China Tuvia Gering, do Instituto para Estudos de Segurança Nacional de Israel, afirma que Pequim busca desempenhar um papel maior no Oriente Médio porque a região se tornou estrategicamente importante para a China.
"Não só em questões de segurança, mas numa ampla gama de setores", pontua, lembrando dos investimentos chineses em infraestrutura regional como parte do multibilionário programa conhecido como Nova Rota da Seda.
O acordo entre Irã e Arábia Saudita é alcançado num momento em que muitos países na região compartilham da percepção de que os Estados Unidos estão diminuindo seu engajamento na área. "Isso não significa que a China possa vir a ocupar esse espaço", avalia Gering.
"A China já declarou que não quer ser arrastada para conflitos regionais, e eu não acho que essa posição tenha mudado, mesmo que desenvolvimentos recentes tenham elevado um pouco o apetite de Pequim de se tornar mais ativo", destaca.
Segundo ele, a China ainda precisa conquistar a confiança da região antes de se tornar uma parceiro confiável. "A China é um novo ator, e essas coisas levam muito tempo."
Influência dos EUA está diminuindo?
Os Estados Unidos saudaram os esforços da China para tentar encerrar a guerra no Iêmen e diminuir as tensões no Oriente Médio, mas rejeitaram a percepção de que estejam se afastando da região.
Eles também destacaram que o acordo levou dois anos para ser concluído.
"Isso não é sobre a China. Apoiamos todos os esforços de distensionamento na região. Achamos que isso é do nosso interesse, e é algo no que trabalhamos por meio da nossa própria combinação efetiva de dissuasão e diplomacia", comentou a Casa Branca.
O especialista em relações entre o Oriente Médio e a China John Calabrese, do Instituto para o Oriente Médio, avalia que o papel desempenhado por Pequim para o sucesso do acordo não muda fundamentalmente a posição dos EUA.
Para ele, o principal objetivo da China na região continua sendo manter seus interesses econômicos e expandir seu capital investido. "Isso requer estabilidade regional a um ponto que os EUA ainda são capazes de fazer."
Ela lembra que o distensionamento entre Teerã e Riad é do interesse de todo o Oriente Médio, dos Estados Unidos e da China.
E, mesmo com as tensões entre Estados Unidos e Arábia Saudita sobre uma série de temas – desde violações dos direitos humanos até a manutenção, por Riad, de um acordo petrolífero com a Rússia – Riad continua sendo uma das principais garantias de segurança na região para Washington.
Lons observa ainda que o acordo evidencia que países do Golfo Pérsico, como a Arábia Saudita, estão dispostos a diversificar suas parcerias estratégicas e de segurança para não dependerem inteiramente dos Estados Unidos.
Ela diz que se trata de uma abordagem pragmática e alerta para uma supervalorização da importância da China para a região. "Quando se trata de garantias reais de segurança, eles estão perfeitamente cientes de que os Estados Unidos continuam sendo o principal parceiro."