Arte política brasileira na Alemanha
24 de agosto de 2015Com 27 artistas brasileiros, a exposição InterAKTION faz uma reflexão sobre os 30 anos do fim da ditadura e suas consequências na história e na sociedade brasileira.
Em cartaz Castelo de Sacrow, um local histórico nos arredores de Berlim, a mostra política também faz referência indireta aos 25 anos da reunificação alemã, já que o Castelo de Sacrow presenciou séculos de turbulência, ficando esquecido durante a Guerra Fria entre a Alemanha Oriental e Ocidental.
"O lugar é muito especial e não é neutro. Sua evolução faz parte da própria história da Alemanha. O Brasil está se revendo através da Comissão Nacional da Verdade e do processo das manifestações. Eu queria criar um diálogo entre os 25 anos da reunificação alemã e dos 30 anos do fim da ditadura no Brasil, mas com muita sutileza", diz a curadora Tereza Arruda em conversa com a DW Brasil.
Arruda selecionou artistas de três gerações que trabalham em diferentes meios. As salas do castelo são tomadas por pinturas, esculturas, vídeos, fotografias e instalações, muitas delas criadas especialmente para a mostra, acentuando ainda mais o diálogo entre o passado e o presente, o Brasil e a Alemanha.
"No contexto brasileiro, esse assunto não tem que ser tratado de uma forma tão radical. Os artistas têm uma certa ironia, uma forma especial de lidar com o assunto. Ninguém está ali levantando bandeira, mas os trabalho em si têm um cunho que convida o espectador a pensar e entender certos contextos", explica a curadora.
Ontem e hoje
O trabalho mais antigo da mostra são vídeos que registram performances de Letícia Parentes, uma das pioneiras da videoarte no Brasil, feitos durante a ditadura. "A obra tem um caráter introspectivo e privado. Em um dos vídeos, ela borda a palavra Brasil na sola do pé. Um contraponto intimista a ir para a rua de uma forma mais agressiva", diz Arruda.
Na mesma sala, o recente trabalho de Fernando Vilela se baseia em registros de suas memórias e de sua família durante a ditadura na década de 1970.
"Tive parentes presos e torturados pelo governo militar. Minha mãe foi presa por um mês quando estava grávida de 7 meses de mim. Essas histórias sempre estiveram presentes nas conversas de família. Resolvi de uma forma poética trazer essas narrativas para meu trabalho de arte", diz Villela em entrevista à DW Brasil.
O mar que atravessamos são duas séries de obras, uma realizada com desenhos e outra xilogravuras impressas sobre fotos. Algumas imagens partem de histórias narradas por parentes, outras são inspiradas em fotos históricas da época.
"É inevitável que toda arte tenha um lado político, pois um ato estético é também ético. Hoje, na arte contemporânea, vemos muitos trabalhos que, em si, são uma ação política mais direta, tanto no discurso quanto na forma. Para mim, a função da arte é apresentar novas formas de ver, de se relacionar e de sentir o mundo e os diversos aspectos de sua complexidade", completa o artista.
Para a curadoria, um dos aspectos mais importantes da abrangência e do aprofundamento do discurso político nas obras e na elaboração da mostra foi a utilização de uma plataforma neutra.
"Não houve nenhum projeto grande de arte contemporânea que fez uma reflexão sobre os 30 anos da ditadura como o que fizemos em Sacrow. Um contexto que não é comercial nem museológico é a plataforma mais apropriada para que se crie um diálogo aberto, adequado e não manipulado com interesses que venham de fora de várias vertentes que podem interferir no processo da curadoria", explica Arruda.
Outras perspectivas
A mostra também buscou trazer a visão de artistas brasileiros que vivem na Alemanha. Um deles é o fotógrafo Pedro Fredo que apresenta dois trabalhos em InterAKTION: a série Leftovers e o vídeo A casa.
Fredo morou em 2007 próximo ao Castelo de Sacrow, uma região verde, cheia de casas de veraneio ao redor de um lago. A casa foi concebido especialmente para a mostra com fotos feitas onde o artista viveu e busca de resgatar as histórias, o abando e as memórias escondidas no lugar.
"Me sentia muito só nesse casarão durante o inverno e fotografava tudo sem intenção específica. A proprietária passou a me contar fatos da extensa pesquisa que ela fazia sobre os antigos habitantes daquela casa. A ditadura seja onde for deixa marcas profundas. Paul Redelsheimer e sua família foram de lá brutalmente arrancados pelos nazista e tiveram um triste destino", revela Fredo.
A série Leftovers mostra objetos abandonados nas ruas de Berlim. O acaso levou o fotógrafo a criar pequenas relações com embalagens, restos de comida, uma cabeça de galinha, entre outros.
"Eu nunca os toquei nem provoquei arranjos cênicos, fotografei e os deixei novamente. Sentia muita pena desses deixados sem compaixão. Pensei que [a série] seria um bom casamento com A casa, unidos pelo comum fato do abandono, os objetos pelos seus donos temporais, a casa involuntária e forçadamente", diz o fotógrafo.
Trabalhos com o de Fredo tratam de outros aspectos relacionados a ditadura e a opressão. Suas fotos revelam objetos esquecidos e abandonados, que ganharam vida novamente através de suas fotos.
"Falamos de vários processos que as pessoas passam e que o mundo contemporâneo te expõe até hoje. Isso não cai em desuso. Questões de caráter migratório, efêmero, de partida, de abandono, de melancolia. São vários sintomas que envolvem situações desagradáveis", explica a curadora.
InterAKTION está em cartaz no Castelo de Sacrow em Potsdam até 04 de outubro.