Ato pró-refugiados gera polêmica em Berlim
19 de junho de 2015"Os mortos estão a caminho." Parece título de filme de terror, mas é o nome dado a uma ação de arte coletiva realizada nesta semana em Berlim. No lado muçulmano do cemitério Gatow, em Berlim, foi enterrado, na presença de um imã, um caixão com os restos de uma mulher síria. Ela morreu afogada no Mediterrâneo, em tentativa de fuga para a Europa. Seu corpo foi exumado na Itália.
Muitos têm um destino trágico semelhante ao dessa síria. Juntamente com o marido e os três filhos, ela fugiu de Damasco e atravessou o Sudão, o Egito e a Líbia. A rota terrestre pela Turquia estava bloqueada por uma cerca de arame farpado com um metro de largura. O barco em que estava virou no Mediterrâneo, e ela e a filha afogaram-se no mar. Segundo os artistas de Berlim, o marido e os dois filhos sobreviventes aguardam na Alemanha pela aprovação de seus pedidos de asilo.
A ação do coletivo foi realizada em protesto contra o endurecimento da política de refugiados da União Europeia (UE), segundo o porta-voz do "Centro pelo Primor Político" (ZPS, na sigla em alemão), Justus Lenz. "A Alemanha é um dos países mais ricos do mundo. Suas instâncias oficiais têm recursos para lidar com o problema, mas ninguém faz nada."
Políticos também tinham sido convidados para a ação, que teve grande repercussão na mídia. Representantes governamentais, secretarias estaduais e ministros de Berlim estavam na lista de convidados da "aula artística para elucidação – A humanidade da Europa". O mapa de assentos tinha sido previamente definido: o ministro do Interior alemão Thomas de Maizière, e a chanceler federal alemã, Angela Merkel, ficariam na primeira fila. Os discursos já estavam preparados, mas ninguém compareceu ao ato.
Abordagem radical
O coletivo de artistas registrou-se no Tribunal Distrital de Charlottenburg como "trupe da indignação em prol da grandeza moral, poesia política e generosidade humana". No Jornal Oficial está escrito: "Arte deve doer, aguçar e provocar resistência."
Rupert Neudeck, cofundador da organização de médicos de emergência Cap Anamur, apoia plenamente as ações do coletivo. "Estamos precisando na Alemanha, e também na opinião pública europeia, de marcos que revelem a dimensão das violações aos direitos humanos que estão ocorrendo no mundo", disse em entrevista à DW.
O ato polêmico em Berlim foi alvo de críticas. O político do Partido Verde Volker Beck, por exemplo, chamou-o de "estranho e impiedoso". Mas Neudeck defende a abordagem radical dos artistas. "Controverso é um atributo positivo para essas ações. Se não fossem controversas, perderiam seu significado."
Enterro digno
Os artistas politicamente engajados afirmam já terem exumado dez corpos na Itália, Grécia e Turquia, em cooperação com imãs locais, sacerdotes e coveiros. Eles são trazidos para a Alemanha com o consentimento dos parentes das vítimas. Os artistas querem enterrar os anônimos de forma digna e dar aos refugiados um "último lugar de descanso", segundo depoimento dado pelo diretor artístico Phillip Ruch à revista Der Spiegel.
Desde 2008, os artistas do ZPS confrontam a opinião pública com performances espetaculares, para chamar a atenção para as suas visões acerca de abusos políticos. Em 2014, eles desmontaram as cruzes em memória dos que foram assassinados no Muro de Berlim para recolocá-las na fronteira da Europa. "Tudo isso são sinais necessários para não afundarmos na globalização e na indiferença – aqui na Alemanha e na Europa."
"A dignidade do homem é inviolável"
Atualmente, a maior preocupação dos artistas é com o endurecimento da atual política de refugiados no continente. No site da ZPS, estão documentadas as consequências brutais dessa política: refugiados afogados e anônimos, enterrados em valas comuns. A mensagem dos artistas é que se trata de algo inaceitável do ponto de vista da dignidade humana, mesmo após a morte.
Klaus Staeck, ex-presidente da Academia de Artes de Berlim, defende o artigo 1º da Constituição alemã: "A dignidade humana é inviolável". No entanto, ele vê o ato ocorrido em Berlim de forma crítica. A provocação pode até ser um meio legítimo para chamar a atenção das pessoas, mas ele questiona a "provocação pela provocação".
O escritor Ingo Schulze assinou recentemente, junto a outros mil autores de 26 países, um apelo aos políticos por uma política de refugiados mais humana. "Acho essas ações legítimas, embora os detalhes vão dizer se são realizadas da forma mais apropriada." Em sua opinião, a Europa carrega uma culpa histórica. "A questão, em última análise, é em que medida nós, europeus, estamos prontos para assumirmos nossas responsabilidades e enxergar o mundo como um só. A questão não é apenas prestar primeiros socorros, mas eliminar as causas dessas fugas."
A data para a controversa ação do ZPS não foi escolhida aleatoriamente. A ONU determinou 20 de junho como o Dia Mundial do Refugiado. Neste ano, a Alemanha lembra pela primeira vez na data vítimas das fugas e expulsões decorrentes da Segunda Guerra Mundial. Milhões de refugiados tiveram que buscar um novo lar e toda a ajuda humanitária foi bem vinda.
Ação continua
O funeral em Berlim foi apenas o início das ações atuais do ZPS. Para o próximo domingo (21/06), o coletivo de artistas preparou mais uma ação de protesto em Berlim. A "marcha dos resolutos" deve ir até o prédio da Chancelaria Federal e transformar a praça em frente numa espécie de memorial. Para a ação, eles lançaram até mesmo uma campanha de crowdfunding.
Neudeck, que vem lutando há muito tempo por uma sensibilização da opinião pública para a questão polêmica dos refugiados, defende o ato provocativo. "A sociedade deveria estar feliz por ainda abrigar grandes potenciais de protesto como esse, através dos quais os artistas podem tornar sua arte visível."