Brasil e Reino Unido tentam manter tom cordial no caso David Miranda
20 de agosto de 2013A detenção do brasileiro David Miranda – companheiro do jornalista Glenn Greenwald, que publicou as denúncias de espionagem americana a partir de documentos de Edward Snowden – fez aumentar a tensão entre autoridades de Brasil, Reino Unido e Estados Unidos.
Na segunda-feira (19/08), o chanceler Antonio Patriota conversou, por telefone, com o chanceler britânico, William Hague. Segundo o embaixador britânico em Brasília, Alex Ellis, os dois concordaram que representantes dos dois governos permanecerão em contato sobre o assunto e que o caso “continua sendo uma questão operacional da Polícia Metropolitana de Londres.”
A troca de declarações reflete uma preocupação de ambas as partes de, apesar dos leves atritos diplomáticos, não elevar o tom. Segundo analistas, a linguagem usada não deve significar a deterioração das Relações Brasil-Reino Unido.
"A linguagem corresponde ao padrão internacional clássico, o que não significa que daí decorrerá qualquer outra ação mais complicada", diz Estevão Martins, professor de História Contemporânea da Universidade de Brasília (UnB).
Já para Virgílio Caixeta Arraes, pesquisador do Instituto de Relações Internacionais da UnB, o tom adotado pelo Brasil é adequado para esse momento inicial, para fins de “registro histórico”, mas ele vê a necessidade de um aprofundamento no “teor da insatisfação”.
Segundo ele, “seria improvável que, se o Brasil procedesse da mesma forma com um cidadão britânico, o governo [britânico] se limitasse apenas a emitir uma nota de protesto”.
Nesta semana, estão previstas várias audiências no Congresso para tentar obter informações de como empresas brasileiras podem estar colaborando com o programa de espionagem americano.
Promessa de mais revelações
Em recente participação em uma dessas audiências, Glenn Greenwald afirmou que o principal objetivo do governo americano é a obtenção de informações comerciais e industriais, como na área de energia e petróleo, e que acha improvável que empresas brasileiras não estejam envolvidas.
Na ocasião, ele já havia se mostrado preocupado com sua segurança e afirmou que há muito mais a ser divulgado. Após a detenção de David Miranda, ele prometeu intensificar ainda mais o trabalho de investigação e divulgação.
Estevão Martins classifica a detenção de Miranda como uma “clara manobra de intimidação”, mas ele ressalta que não está dirigida ao Brasil, mas sim diretamente a Greenwald, que é cidadão americano.
Na última segunda-feira, Josh Earnest , porta-voz da Casa Branca, admitiu que os Estados Unidos sabiam da intenção da polícia britânica, mas negou qualquer envolvimento. “Não foi algo que pedimos, foi algo feito especificamente pelas autoridades britânicas. Os EUA não estão envolvidos nessa decisão ou nessa ação”, disse.
Apesar da negação de envolvimento, Martins vê como natural o engajamento britânico. “Reino Unido e EUA têm uma aliança estratégica há quase um século que não se abala”. Ele vê o caso, ainda, como “um azar do ponto de vista político internacional” e descarta consequências mais graves ou mesmo um abalo nas relações entre os dois países.
Como exemplo, ele lembrou o caso Jean Charles, morto por engano pela polícia londrina em 2005. “Naquele momento, houve uma série de medidas duras, intervenções, notas e troca de explicações, mas isso não acarretou em uma ruptura ou estremecimento”, lembrou.
Virgílio Caixeta Arraes concorda que não deve haver estremecimento nas relações bilaterais, mas considera que o caso demonstra certo “desapreço de um governo europeu por um cidadão sul-americano”. Ele atribui essa atitude a uma “visão ainda de uma potência imperial” e citou como exemplo o caso do avião que levava o presidente boliviano Evo Morales de volta de uma viagem à Rússia. Alguns países europeus impediram que a aeronave sobrevoasse o território por suspeitas de que Edward Snowden estivesse a bordo.
Tensões aumentam
Na segunda-feira, o Guardian publicou informações sobre a pressão sofrida pelo jornal por causa das notícias sobre espionagem americana, indicando que a detenção de Miranda é mais um desses casos. Em editorial, Alan Rusbridger, editor do periódico, descreveu situações de intimidação.
"A tensão aumentou pouco mais de um mês atrás, quando eu recebi uma ligação do centro do governo dizendo: ‘você já se divertiu. Agora nós queremos as coisas [documentos de Snowden] de volta'”, relatou Rusbridger, ao também descrever como o jornal foi obrigado a destruir equipamentos contendo arquivos sobre o caso.
A ONG Anistia Internacional classificou as revelações do periódico como uma mudança “sinistra, criminosa e repreensível” no rumo dos acontecimentos. “Se confirmadas, essas ações expõem a hipocrisia do Reino Unido já que o país defende a liberdade de imprensa no exterior”, disse Tawanda Hondora, representante legal da AI.
Com apoio do Guardian, David Miranda já solicitou, por meio dos advogados, a devolução dos bens apreendidos dentro do prazo legal de sete dias a contar da data da sua detenção no aeroporto de Heathrow. Ele ameaça iniciar uma ação judicial para contestar os motivos usados pela polícia britânica para justificar a detenção. As autoridades mantêm a posição de que a ação foi legal e que ofereceu toda assistência devida ao brasileiro.