Vida & obra
9 de setembro de 2007Pelo menos desde a repercussão do New Criticism nos estudos literários internacionais, a partir da década de 1930, a biografia passou a ser considerada suspeita como base de interpretação da literatura. A condenação de justificativas extratextuais na análise de obras literárias teve continuidade, desde então, sendo reformulada por pensadores estruturalistas e pós-estruturalistas, até as teorias pós-modernas.
A intenção do autor, então, já deixou de contar há muito nas leituras. "O que o autor quis dizer com o texto" é uma questão que já se tornou constrangedora até na apreciação escolar da literatura. Mas o interesse pela vida dos escritores não só não cessou, como parece ter um surto momentâneo: pelo menos essa é a impressão que passam as editoras alemãs nos seus lançamentos de outono.
Gênero democrático, mas não de base
Johann W. Goethe, Christoph M. Wieland, Heinrich von Kleist, Joseph von Eichendorff, Stefan George e Wilhelm Busch são apenas os nomes de maior destaque entre os recém-biografados. Esse surto vem sendo interpretado como o fim do tédio que esse gênero de livro teria causado até então aos alemães, que – na opinião dos críticos – delegaram há muito a missão de biografar aos autores anglo-saxônicos.
Se a biografia, com seu caráter desmistificador, é um gênero da democracia – conforme argumenta, por exemplo, o pesquisador norte-americano Nigel Hamilton, biógrafo de J.F. Kennedy e Bill Clinton, em seu recente estudo histórico sobre esse gênero (Biography: A Brief History, Harvard University Press) – vale lembrar que uma abordagem biográfica dificilmente vai agradar a todos. A recepção das biografias recém-publicadas na Alemanha mostra como certos deslocamentos na imagem de figuras públicas – e de escritores, em especial – esbarram na resistência dos leitores.
Nem vasto, nem estreito
As críticas de biografias parecem exigir o impossível de seus autores: empatia com o biografado, sem uma identificação excessiva que possa ameaçar a necessária distância crítica; propagação de detalhes biográficos até então ignorados, sem uma dispersão que comprometa o viés panorâmico do gênero; sensibilidade de avaliar as informações, sem excessos interpretativos que possam impedir outras leituras. Ou seja: a missão do biógrafo é praticamente uma missão impossível.
A biografia mais polêmica recentemente lançada na Alemanha é a do poeta Stefan George (1868-1933), por Thomas Karlauf (Stefan George, Die Entdeckung des Charisma / A Descoberta do Carisma, Karl Blessing Verlag). A vida desse defensor da l'art pour l'art – um esteta antenado em seus contemporâneos desde o simbolismo francês até a Viena fim de século, um ídolo carismático que catalisou à sua volta um círculo de asseclas, desde Claus von Stauffenberg, responsável por um atentado contra Hitler, até Klaus Mann – parece até ter sido vivida para ser registrada. Por um biógrafo, por que não? Mas o peso que o autor dá ao homossexualismo de George foi considerado excessivo pela crítica.
Literatura para explicar a vida
Tanto no caso de Karlauf como no dos autores de dois estudos biográficos recentes sobre Heinrich Mann – Willi Jasper (Die Jagt nach Liebe: Heinrich Mann und die Frauen / Caça ao Amor: Heirich Mann e as Mulheres, Fischer Verlag) e Manfred Flügge (Heinich Mann: Eine Biographie, Rowohlt Verlag), a crítica sentiu falta de uma leitura mais detalhada das obras literárias dos escritores biografados.
Talvez se possa dizer que a maior cobrança dos críticos em relação aos biógrafos seja justamente uma leitura mais literária e menos (psico)analítica. Fato é que escritores geram com suas obras e o que se conhece de sua trajetória uma imagem individual muito específica em cada leitor. E uma vida-e-obra sobre a qual já existem tantas e tantas leituras talvez só possa ser abordada condizentemente como obra aberta, assim como a literatura.