Bienal de Berlim aposta no viés político e conclama à resistência
30 de abril de 2012O artista polonês Artur Zmijewski, curador da 7ª Bienal de Berlim, propõe uma série de questões na mostra recém-inaugurada na capital alemã: do que a arte é capaz no espaço político? Ela tem ali uma função? E pode mudar a realidade? Ela pode ser crítica, útil, política? Em busca de respostas a essas perguntas, Zmijewski convidou cerca de 30 artistas de vários países, todos autores de obras com um "viés político".
Até 1º de julho, eles darão provas disso durante a Bienal de Berlim, com obras que explicitam suas visões de mundo e em alguns casos fazem críticas ao estado das coisas. E eles fazem isso no centro da sociedade, ou seja, no espaço público, confrontando assim suas posições com observadores com os quais, de outra maneira, possivelmente não teriam qualquer interseção.
O artista polonês Lukasz Surowiec, por exemplo, mandou plantar em Berlim, no segundo semestre de 2011, bétulas vindas dos arredores do ex-campo de concentração de Auschwitz-Birkenau. As árvores foram plantadas em parques, pátios de escolas e em lugares que têm uma ligação direta com o Holocausto.
A proposta de Surowiec é manter viva a lembrança dos crimes atrozes do nazismo, além de resgatar um projeto anterior: a obra de arte 7.000 Carvalhos, de Joseph Beuys, que também usa a paisagem natural, tendo sido apresentada ao público em 1982 na documenta 7. No decorrer de muitos anos e com o auxílio de muitos ajudantes, Beuys plantou carvalhos em diversos locais de Kassel, a cidade-sede da documenta: uma intervenção artística e ambiental no espaço urbano, que reage ao processo de urbanização descontrolada.
Arte eficaz
A obra de Beuys se tornou há muito parte integrante da cidade, tendo modificado a imagem dela, além de incitar discussões constantes entre os moradores. A incompreensão inicial com relação ao projeto foi se esvaindo a cada nova árvore plantada, fazendo concluir que a arte pode ser crítica, útil e também política. Além de poder provocar, gerar reflexão, mudar o pensamento e, desta forma, modificar imperceptivelmente a realidade.
Os efeitos da arte fizeram-se notar de diversas maneiras no decorrer dos séculos, embora uma postura explicitamente crítica só tenha passado a existir de fato depois da Revolução Francesa. Até então, a arte tendia à idealização, resgatando motivos, por exemplo, da Bíblia, da vida na corte e da burguesia abastada. Só depois é que os aspectos omitidos da vida e da realidade passaram a ser tratados pelos artistas. Foi quando eles começaram a apresentar imagens nunca antes vistas.
O espanhol Francisco de Goya (1746 - 1828), por exemplo, pintou e desenhou implacavelmente a pobreza, a miséria e a guerra, revelando as fragilidades de seu tempo. Já o francês Gustave Courbet (1819 - 1877) chocou a sociedade parisiense com pinturas de pessoas simples executando seus trabalhos. E Honoré Daumier (1808 - 1879) entrou diversas vezes em conflito com as autoridades por ter reproduzido sarcasticamente, em caricaturas, a vida burguesa e especialmente a Justiça de sua época.
Oposição através da arte
Um dos primeiros alemães a visualizar em suas pinturas uma crítica às relações de poder foi Adolf Menzel (1815 - 1915). Sua obra Aufbahrung der Märzgefallenen (Velório dos mortos em combate do mês de março) mostra os caixões dos revolucionários assassinados pelos militares durante uma batalha em Berlim. Com isso, o artista deu rosto, atenção e espaço à resistência.
O século 20, com suas falhas, abismos, barbaridades e descaminhos, provocou novas posições artísticas de oposição: a arte se tornou antimilitarista e anticapitalista, ridicularizando o pequeno-burguês careta e a decadência e se opondo às atrocidades do fascismo. E as reações a essa arte foram desde a indignação em alto e bom som, passando por insultos públicos até a exclusão, denúncia e expulsão de artistas, ocorridas especialmente durante o período nazista.
Novas intervenções
Duas décadas depois do fim da Segunda Guerra Mundial, a arte adquiriu novas dimensões, passando a não se manifestar mais apenas em pinturas, esculturas, fotos e desenhos, mas também em formas temporárias, como intervenções no espaço público. E dando a qualquer um a liberdade de se tornar uma "escultura temporária", que interage com a sociedade ou se opõe a ela por meio de manifestações contra o esquecimento, a corrida armamentista, as violações dos direitos humanos, a guerra ou a destruição do meio ambiente.
No início do século 21, esta arte acompanhou por exemplo a cúpula do G8 na alemã Heiligendamm, onde foi criada uma aldeia temporária de casebres com a qual se falava dos problemas do mundo com um certo humor. A força de cada ação individual tem naturalmente seus limites, como se a avalanche de imagens da era da informação já tivesse há muito causado no observador uma certa saturação.
A Bienal de Berlim quer agora provar que isso pode ser diferente. Segundo o curador, a mostra quer apresentar uma arte que "é, de fato eficaz, que influencia a realidade e abre um espaço no qual se pode fazer política". Por isso, as paredes da entrada para o salão de exposições da Bienal foram cobertas por trechos em vermelho do panfleto Indignem-se, de Stéphane Hessel. E a curadoria deixou o próprio salão de exposições a cargo do movimento Occupy – com sacos de dormir, sofás e cartazes contra nazistas e capitalistas.
A Bienal oferece pódios de discussão e conecta redes de ativistas. Ela lhes possibilita organizar a resistência em diversos países. E apresenta trabalhos que colocam o dedo em várias feridas: nos campos de refugiados, nos mortos pelas drogas, no comércio, no desemprego entre jovens, no extremismo, no Holocausto. Assim a capacidade de resistência do público é testada. Esse público internacional observa, conversa, pondera, toma um latte macchiatto e ri. Será que assim a realidade pode ser modificada? É esperar para ver.
Autora: Silke Bartlick (sv)
Revisão: Alexandre Schossler