Bibliothek: A recepção de Brecht na Alemanha e no Brasil
13 de junho de 2017Quando ainda morava em São Paulo, eu era muito próximo de pessoas ligadas ao teatro. Atores, diretores, dramaturgos. Entre eles, se havia um nome alemão que era citado com muita frequência, esse nome era com certeza o de Bertolt Brecht.
Não muito conhecido como poeta no Brasil, ele é sem dúvida um dos dramaturgos internacionais mais influentes no país. Suas peças são encenadas, seus textos teóricos são estudados em escolas de teatro, suas técnicas ainda são usadas. Brecht é um nome incontornável para o teatro no Brasil, assim como em vários países da América Latina.
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Ao me mudar para a Alemanha, o país de Brecht, eu havia imaginado e esperado que isso fosse ainda mais verdade aqui. Que Brecht seria, ao menos no teatro, ainda um autor incontornável. No entanto, não é exatamente o caso. Após conversar ao longo dos anos com muitas pessoas sobre o poeta e dramaturgo berlinense, sinto que a Alemanha tem hoje uma relação bastante difícil com Brecht.
É claro que ele é um autor canônico. É estudado nas escolas. Ao se entrar em qualquer boa livraria, é possível encontrar suas peças teatrais em volumes reunidos e também avulsos. Sua poesia está em catálogo. Há antologias e reuniões poéticas. Talvez a diferença básica que eu sinta entre a relação dos brasileiros e dos alemães com Brecht é a questão de sua atualidade.
No Brasil, as ideias de Brecht eram consideradas atuais, ao menos quando eu ainda vivia no país. Na Alemanha, o que ouço com frequência, mesmo que não exatamente com essas palavras, é que Brecht é um autor do passado. Histórico. Importante. Mas que não faz sentido para os dias de hoje como fez entre as décadas de 20 e 50.
É claro que ainda é possível ver as peças de Brecht em Berlim, mas essencialmente no Berliner Ensemble, o teatro que foi dirigido por ele até sua morte e que hoje funciona em grande parte como um espaço dedicado a sua obra.
Há poucas semanas tive novamente esta conversa com um alemão ligado ao teatro, que conhecia a influência de Brecht na América Latina. Em sua opinião, há no Brasil e outros países do continente uma reverência exagerada ao dramaturgo alemão.
Por aqui, as ideias de Brecht estão ligadas a um determinado momento histórico. É possível encená-lo, mas é necessário reinventá-lo, de alguma forma. Há, porém, outra questão, que é política. O trabalho de Brecht, dedicado como foi ao impulso revolucionário comunista, é inevitavelmente associado à República Democrática Alemã (RDA), a antiga Alemanha Oriental, e, portanto, acaba associado a uma ditadura.
Morto em 1956, Brecht não poderia prever tudo o que ocorreria entre as duas Alemanhas, começando pelo Muro de Berlim, erguido em 1961. Mas há uma espécie de ressaca política que envolve não apenas a obra de Brecht, mas de vários autores associados à Alemanha Oriental.
Como o Brasil experimentou no mesmo período uma ditadura de direita, há ainda uma aura romântica em torno do impulso político e revolucionário do teatro brechtiano no país. É difícil saber quando esta ressaca passará e os autores da Alemanha Oriental serão lidos da mesma maneira que os autores da Alemanha Ocidental.
Talvez seja necessário que a geração que viveu os terrores da divisão alemã já não esteja entre nós. É possível que, num futuro próximo, uma geração nascida após a Reunificação consiga retornar aos autores da Alemanha Oriental com menos desconfiança. Eu acredito que isso seria saudável.