Bibliothek: O que ler quando se está aprendendo alemão?
16 de maio de 2017Eu tenho um amigo que fala várias línguas. É uma coisa impressionante. Uma vez, conversando com ele sobre sua técnica, ele me disse que tem um tipo de ritual quando começa a aprender outro idioma: assim que tem já um conhecimento básico da gramática e um pequeno vocabulário, ele começa a ler livros infantis naquela língua.
No caso dele, não importa se o livro foi escrito idioma que está aprendendo. Ele sempre começa, por exemplo, com o mesmo livro: O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, publicado em 1943. No nosso caso, Der kleine Prinz. Fiquei pensando em livros que são boa literatura e também acessíveis para quem está aprendendo alemão.
Por causa deste meu amigo, pensei primeiro em literatura infantil, mas que possa ser lida por adultos com prazer. Ler literatura infantil de um país nos ajuda a compreender algumas coisas do lugar. Foi aí que me perguntei: qual seria o equivalente de O Pequeno Príncipe na Alemanha, ou na língua alemã? Escrevi estes dias a vários amigos com esta pergunta: qual a fábula moderna mais famosa da língua alemã? Há uma espécie de equivalente para O Pequeno Príncipe na língua? Os amigos eram sete alemães, dois austríacos e uma suíça.
Todos concordaram que achar um equivalente seria difícil. Mas todos mandaram recomendações. É claro que pensar em literatura infantil em alemão é pensar nos irmãos Grimm e suas fábulas. Afinal, são famosas no mundo todo, tendo gerado muita literatura em resposta a elas. Todos os amigos comentaram ainda que as fábulas alemãs para crianças tendem a ser mais assustadoras do que em outros países, e quem se esquece do Struwwelpeter, de Heinrich Hoffmann, publicado em 1845 com suas dez histórias de crianças que se comportaram mal e então se deram muito mal? Mas estes são clássicos.
Como foi a literatura infanto-juvenil no século XX? O livro mais mencionado foi com certeza Die unendliche Geschichte (A História sem fim), de Michael Ende, publicado em 1979. Com o filme, talvez seja realmente o livro infanto-juvenil alemão mais conhecido no mundo. Mas não é exatamente uma leitura tão fácil.
As outras recomendações de meus amigos foram, em ordem cronológica de publicação: Peterchens Mondfahrt (1912), de Gerdt von Bassewitz; Pünktchen und Anton (1931), de Erich Kästner; Eine Woche voller Samstage (1973), de Paul Maar; Oh, wie schön ist Panama (1978), de Janosch, que parece ser o mais querido entre adultos e crianças.
Fora da literatura infanto-juvenil, há alguns livros curtos que são excelentes, com uma linguagem clara e precisa, e que podem ser bons desafios para quem quer começar a ler literatura alemã no original. Um bom exemplo é Wittgensteins Neffe (O sobrinho de Wittgenstein), do austríaco Thomas Bernhard, publicado em 1982.
Com o subtítulo "Eine Freundschaft" (Uma amizade), esta novela memorialística relata a história da amizade entre o autor e Paul Wittgenstein (1907–1979), sobrinho do filósofo Ludwig Wittgenstein (1889–1951). Membro de uma das famílias mais ricas da Áustria, acompanhamos a vida boêmia dos dois amigos enquanto dura o dinheiro, e a descida à pobreza e à loucura de Paul nos últimos anos de sua vida, completamente abandonado por todos.
Sendo um livro de Bernhard, é claro que o livro se torna um ataque à hipocrisia da sociedade austríaca, alvo favorito do sarcasmo e ódio do escritor, traçando um retrato do país no pós-guerra a partir desta personagem histórica muito interessante que é o sobrinho de Wittgenstein. Seu tio filósofo escreveu sobre como a linguagem cotidiana é estranha quando começamos a pensar nela. Thomas Bernhard parece partir desse princípio, usando uma linguagem bastante direta, mas tornando-a estranha através de repetições constantes das mesmas palavras e frases.
Para encerrar, como prometido na semana passada, a minha tradução do poema de Erich Fried:
É o que é
É louco
diz a razão
É o que é
diz o amor
É desastroso
diz o cálculo
É só dor
diz o medo
É causa perdida
diz o juízo
É o que é
diz o amor
É ridículo
diz o orgulho
É inconsequente
diz o cuidado
É impossível
diz a experiência
É o que é
diz o amor
Na coluna Bibliothek, publicada às terças-feiras, o escritor Ricardo Domeneck discute a produção literária em língua alemã, fala sobre livros recentes e antigos, faz recomendações de leitura e, de vez em quando, algumas incursões à relação literária entre o alemão e o português. A coluna Bibliothek sucede o blog Contra a capa.