Berlim redescobre as esculturas de animais de Rembrandt Bugatti
2 de abril de 2014À primeira vista, a retrospectiva do escultor italiano Rembrandt Bugatti, em cartaz em Berlim, parece o programa ideal para se fazer com a criançada. Dispostas entre as obras neoclássicas, românticas e impressionistas do renomado museu, as esculturas de Bugatti, em sua maioria de animais, estão espalhadas pelos três andares da Alte Nationalgalerie.
Mas a mostra em Berlim quer redescobrir o artista, um dos mais inovadores e desconhecidos gênios da escultura do começo do século passado e que, por conta de seus laços familiares, tem o nome frequentemente associado à indústria automobilística.
"Estamos diante de uma grande exposição. Temos que entender que os animais eram vistos de outra maneira na virada do século 20. Eles e os humanos tinham a mesma importância. Essas figuras geraram discussão e abriram novas perspectiva em seu tempo", diz Udo Kittelmann, diretor da Alte Nationalgalerie.
Rembrandt Bugatti foi um dos mais extraordinários escultores independentes do começo do século 20. Em sua curta vida, produziu mais de 300 obras, com uma impressionante intensidade e diversidade de formas.
Trabalho desconhecido do público
"O grande público não conhece o trabalho de um dos maiores escultores desse mundo. As pessoas era loucas por suas obras, que quase não estão em nenhum museu. Assim, ele foi meio que esquecido. Quando fui confrontado com o seu trabalho, fiquei mudo, como poucas vezes na vida", afirma Philipp Demandt, curador da exposição.
A mostra em Berlim reúne mais de cem esculturas em bronze de Bugatti, além de desenhos e documentos. Esta é a primeira grande retrospectiva do artista italiano feita por um grande museu em todo o mundo.
A Alte Nationalgalerie é o único museu da Alemanha a contar com uma escultura em bronze de Rembrandt Bugatti em seu acervo. Com exceção de algumas peças vindas de museus como o parisiense d'Orsay ou o londrino Sladmore Gallery, a maioria das obras da retrospectiva faz parte de coleções particulares e nunca foi exibida ao grande público.
"Seu nome vai muito além da família, conhecida pelo importante papel na indústria do automóvel. Sua arte era criativa e inovadora. Tentamos criar um palco para que esse trabalho pudesse ser visto da melhor maneira", completa Kittelmann.
Uma família criativa
Bugatti nasceu em Milão, em 1884. Ele foi o terceiro filho de Carlo Bugatti, um notável decorador, arquiteto, designer e fabricante de móveis art nouveau. O artista cresceu num ambiente em que a arte era praticada e valorizada. Artistas como o pintor Giovanni Segantini, os escultores Ercole Rosa e Paul Troubetzkoy e os compositores Puccini e Leoncavallo frequentavam os círculos da família Bugatti.
Ao contrário do pai, Rembrandt nunca estudou na escola de belas artes, mas tinha livre acesso ao ateliê do pai. "Desde muito cedo ele demonstrou um admirável talento para a escultura. Aos 16 anos, expôs pela primeira vez em Milão. Dois anos depois, com apenas 18 anos, expôs na Bienal de Veneza", relata Demandt.
O promissor artista se mudou para Paris e começou a trabalhar com o renomado galerista e escultor Adrien-Aurélien Hébrand. Em 1905, suas obras foram exibidas pela primeira vez em Berlim. No ano seguinte, ele se mudou para Antuérpia, na Bélgica, e se tornou um frequentador ativo de seu importante jardim zoológico.
Em 1910, o zoológico de Antuérpia organizou uma grande exposição sobre o artista. Durante a Primeira Guerra Mundial, o zoológico foi transformado num hospital militar. Bugatti ajudou no atendimento aos enfermos, trabalhando voluntariamente. O zoológico começou a matar os animais por falta de alimento. Com a saúde física e mental deteriorada, Bugatti retornou a Milão.
O artista viajou a Paris em 1915 e realizou lá suas últimas obras: um tigre esmagando uma serpente e Jesus Cristo na cruz, sua única obra sacra. Em 8 de janeiro de 1916, Rembrandt Bugatti cometeu suicídio, aos 31 anos.
Seu irmão Ettore Bugatti alcançou reconhecimento mundial ao fundar, em 1909, a Automobiles E. Bugatti, famosa fabricante de automóveis. Seus carros eram conhecidos pelo belo design e pelos possantes motores, que eram um sucesso nas pistas de corrida. Dez anos após a morte do irmão, Ettore usou uma escultura de Rembrandt, um elefante, como mascote de seu mais ambicioso carro, o Bugatti Royale.
Humano e animal
O legado de escultor pode ser visto e entendido através de seu interesse pelos animais. O tímido e quieto artista deve ter, de alguma maneira, achado cumplicidade e compreensão no mundo animal. Desde jovem, ele mostrou um grande interesse pelo assunto, que se aprofundou depois que ele descobriu os exóticos animais nos zoológicos de Paris e Antuérpia.
"A virada do século marcou o começo da psicologia, e os animais tinham um papel muito importante em obras como A Vida das Abelhas, de Maurice Maeterlinck, um estudo científico que também é uma magnífica obra literária, e Meus Animais, do filósofo Theodor Lessing, que faz uma analogia entre a personalidade humana e a dos animais. O trabalho de Rembrandt Bugatti pertence a esse grupo", afirma Kittelmann.
Os animais de Bugatti são fascinantes não apenas por serem belas representações de adoráveis ou exóticas criaturas. A perfeição de suas peças está na abstração característica do impressionismo. Sua técnica precisa dá vida e oferece detalhes muito particulares de cada um dos animais representados, criando empatia e emoção entre os visitantes da exposição.
"Ele nunca estudou anatomia animal. Ele observou, observou e observou. O mais impressionante é a quantidade de detalhes que ele consegue extrair de suas esculturas, com animais que estavam em constante movimento. Ele trouxe a tradição do impressionismo, ao retratar e eternizar com genialidade esses animais em bronze", explica Demandt.
A retrospectiva de Rembrant Bugatti está em cartaz até 27 de julho na Alte Nationalgalerie, na Ilha dos Museus em Berlim.