Batalha de Verdun ainda é cicatriz que separa franceses e alemães
1 de agosto de 2014"Por favor, prestem atenção às placas de aviso e não se afastem dos caminhos permitidos. A menos que vocês façam questão de pisar numa mina", alerta Gerd Krumeich. O historiador alemão guia um grupo de estudantes de germanística da universidade parisiense La Sorbonne Nouvelle pelos campos de batalha de Verdun, juntamente com o francês Gérard Domange, professor aposentado de história.
"Em nenhum lugar se vivencia a Primeira Guerra Mundial tão de perto e intensamente quanto aqui", comenta Krumeich diante do Forte Douaumont, a mais impressionante construção no assim chamado "anel de Verdun".
Somente em 2009 foi içada aqui a primeira bandeira alemã, ao lado das da França e da União Europeia. "Foi um sinal bem forte, mas não basta", diz o historiador. Ele pleiteia que uma placa memorial seja colocada aqui para os soldados alemães tombados. "Onde mais, se não for aqui?", argumenta.
Entre fevereiro e dezembro de 1916, travou-se em Verdun, no nordeste da França, uma das mais sangrentas batalhas da Primeira Guerra Mundial, que durou 300 dias, e 300 noites e deixou centenas de milhares de mortos de cada lado. Tudo inútil, pois, ao longo de todo esse período, quase nada mudou na linha de frente.
Questão de identidade nacional
Em frente ao Ossuário de Douaumont, o memorial erigido pela França em 1932, leem-se até hoje os nomes dos militares franceses tombados. Com uma única exceção: Peter Freundl. Ele é o primeiro soldado alemão cujo nome foi, recentemente, lavrado em pedra para a posteridade. Isso embora ali jazam mais de 130 mil homens não identificados – de um total de 700 mil.
O alemão Carsten Doll, que participa da viagem universitária, resume a questão numa frase: "Douaumont é um local feito pelos franceses para os franceses."
A batalha de Verdun foi sempre celebrada pela França como uma vitória nacional. Não só do ponto de vista militar, por ter contribuído para definir o resultado da Primeira Guerra, como também como uma vitória psicológica. Apesar da tomada do Forte Douaumont e de outras posições estratégicas, os franceses não desistiram, e sustaram o avanço alemão. Esses fatos refletem-se até hoje.
À noite, Krumeich coordena um debate sobre a possibilidade de uma cultura da memória franco-alemã, com a presença de moradores da localidade. Para os estudantes que não o sabiam, a enorme importância da batalha de Verdun na memória coletiva francesa fica óbvia, no mais tardar, durante esse debate.
Quando a questão da placa em homenagem aos soldados alemães é levantada, uma certa onda de agitação atravessa a sala. Para alguns descendentes franceses dos soldados caídos, a ideia de Krumeich vai longe demais. Verdun deve permanecer uma vitória da França – embora a rigor não o seja, em face das centenas de milhares que morreram nos combates.
Marion Guibourgeau discorda dessa noção. "Não entendo que se possa negar o fato de que houve mortos de ambos os lados. Talvez seja uma questão de geração. Para mim, a Primeira Guerra está muito longe, muito mais do que a Segunda, por exemplo. Acho importante termos uma cultura da memória comum, pois também é a nossa história comum." A estudante diz que já notara que o tema é delicado antes da viagem a Verdun, mas questiona se ele é mesmo tão delicado assim.
Esperança nos estudantes
Há exemplos de uma possível aproximação entre as antigas nações inimigas, em tornos das vivências comuns. Como quando, em setembro de 1984, o presidente francês, François Mitterrand, apertou durante longos minutos a mão do então chanceler federal alemão, Helmut Kohl. A cena se deu em Douaumont, entre o ossuário e a necrópole nacional, com suas milhares de cruzes brancas.
"Seria bom se um dia se pudesse falar de uma cultura da memória europeia, até mesmo universal", diz Krumeich. "Todos queremos que a União Europeia vá adiante. No entanto, cada um de nós se apega às suas datas nacionais. Minha meta é fazer as pessoas também se interessarem pela história do outro e pelo modo como ela configura as comemorações de um determinado evento."
Não há sinais de que o pesquisador alemão vá se afirmar com sua proposta de placa comemorativa neste ano, por ocasião das celebrações em torno do centenário do início do grande conflito. No entanto, ele deposita grandes esperanças na geração de estudantes.
"Só eles conseguirão levar adiante a ideia de uma memória franco-alemã. Talvez também alimentem clichês, como os seus antecessores. Mas aí serão outros clichês, e isso já é bom. Para esta geração, a Primeira Guerra Mundial não é mais uma história pessoal, mas sim, apenas, história." Por isso, talvez fique mais fácil dar-se as mãos.