A literatura na Primeira Guerra Mundial
2 de maio de 2014A relação entre literatura e guerra é tão antiga quanto a história de cada uma destas manifestações humanas. Um dos textos fundadores da Literatura Ocidental é o relato de uma guerra: A Ilíada, de Homero. Em textos ainda mais antigos que sobreviveram a guerras posteriores – nas quais tudo se queimou, de casas a bibliotecas – escritores celebraram vitórias ou lamentaram derrotas. É o caso de Lamento pela Destruição de Ur, escrito há quatro mil anos e que descreve a devastação de uma das mais antigas cidades do mundo durante uma invasão estrangeira.
O papel do poeta épico era cantar as glórias de sua nação. São conhecidas as histórias de reis que levavam poetas a guerras para que seus feitos fossem imortalizados. No caso de derrotas, os poetas muitas vezes transformavam os acontecimentos em mitos de coragem e bravura, propagandas militaristas de caráter patriótico. No poema The Charge of the Light Brigade, de Alfred Tennyson, por exemplo, o massacre da cavalaria britânica numa batalha da Guerra da Crimeia é alçado a mito.
Essa relação cultural com o caráter bélico de impérios ainda era muito forte no início do século 20, e não foram poucos os autores que se lançaram à Primeira Guerra Mundial com fervor literário e patriótico. É o caso dos poetas britânicos Rupert Brooke e Siegfried Sassoon, do francês Guillaume Apollinaire e do alemão Ernst Stadler, que morreriam no conflito ou por ferimentos decorrentes dele. O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein, então em Oxford, partiria para as trincheiras acreditando que elas "fariam dele um homem". Era o tempo dos futuristas, que celebravam a guerra como a grande higiene do mundo.
Escrevendo em plena guerra
Rupert Brooke – que morreria antes de sequer lutar, em decorrência de uma septicemia causada por uma picada de mosquito – não teve tempo de ver o que aqueles que chegaram às trincheiras logo perceberam: a loucura do seu entusiasmo juvenil por glórias militares, quando confrontados com a realidade da guerra.
Nos poemas de Siegfried Sassoon, há uma transformação clara. Seus versos, que foram, desde o princípio, contra a percepção pública do conflito, influenciaram o grande poeta britânico da Primeira Guerra Wilfred Owen. Poemas seus como Dulce et Decorum Est e Anthem for Doomed Youth permanecem como monumentos contra aqueles crimes de megalomania imperial. Owen morreu em novembro de 1918, apenas uma semana antes do armistício.
Outros autores ingleses importantes foram Isaac Rosenberg – que morreu numa batalha também em 1918 e nos deixou textos assombrosos sobre a vida nas trincheiras –, e também Yvor Gurney e David Jones. Uma figura nem sempre associada ao conflito, por ter lutado na África, fez, no entanto, de parte de suas memórias da Primeira Guerra um dos mais conhecidos livros que relatam acontecimentos do período: T.E. Lawrence, o Lawrence da Arábia, e seu Sete Pilares da Sabedoria, publicado em 1922.
Entre os escritores germânicos, a guerra tornou-se a confirmação das profecias de destruição e apocalipse que os autores expressionistas vinham compondo há alguns anos. Gottfried Benn, que serviu na guerra como médico, havia publicado em 1912 seu primeiro livro, intitulado Morgue (Necrotério).
Outros poetas que lutaram e escreveram de forma desiludida durante o conflito incluem o austríaco Georg Trakl, também médico e que se suicidou em 1914, e ainda os alemães Ernst Stadler, Alfred Lichtenstein, August Stramm e Kurd Adler, todos mortos entre 1914 e 1916. Dos romances alemães sobre a Primeira Guerra Mundial, o mais conhecido é sem dúvida Im Westen nichts Neues (Nada de novo no front, 1929), de Erich Maria Remarque, que captura a transformação do entusiasmo juvenil de muitos soldados desiludidos com a realidade da guerra.
Em Zurique, os alemães Hugo Ball, Emmy Hennings, Walter Serner e Hans Arp lançaram sua campanha antimilitarista e suas críticas veementes à cultura bélica alemã em meio ao Cabaret Voltaire e ao Dadaísmo. Ludwig Wittgenstein levou à batalha o manuscrito de seu Tractatus Logico-Philosophicus. O texto, projetado inicialmente como um ensaio sobre lógica, ganharia seus questionamentos sobre a natureza do místico e de Deus durante a guerra e seus horrores, escreve a crítica norte-americana Marjorie Perloff no livro Wittgenstein´s Ladder, baseado na biografia monumental de Ray Monk para o pensador austríaco. Também neste clima de destruição, mesmo que longe dos campos de batalha, um dos maiores escritores do século 20 produziria textos como A metamorfose e O Processo: Franz Kafka.
O impacto pós-guerra e sua literatura
Muitos historiadores argumentam hoje que não se pode mais falar em Primeira e Segunda Guerra Mundial, mas numa única Grande Guerra. As consequências do conflito entre 1914 e 1918 foram sentidas para além dele. Na Guerra Civil decorrente da Revolução Russa de 1917, por exemplo, um batalhão de refugiados entraria, em muitos casos, numa Alemanha devastada pela guerra e pelas reparações impostas pelo Tratado de Versalhes.
As conturbações políticas da República de Weimar, que logo desembocariam no Regime Nazista e na Segunda Guerra, foram muito bem retratadas no grande romance alemão do período, Berlin Alexanderplatz (1929), de Alfred Döblin, e no trabalho de expressionistas que sobreviveram à Primeira Guerra, como Bertolt Brecht. A morte de vários expoentes das vanguardas europeias durante o conflito teria consequências drásticas para a arte do período entreguerras.
Após a Primeira Guerra, diminuiu a frequência com que escritores se lançaram à glorificação bélica, como em alguns daqueles autores do início do século. Em especial com os horrores da Segunda Guerra, a produção de autores vê uma transformação. A lamentação pela destruição das cidades permanece, como na trilogia de Hilda Doolittle (mais conhecida como H.D.), The Walls do not Fall (1944), Tribute to the Angels (1945) e The Flowering of the Rod (1946). Entretanto, o apelo patriótico toma forma de chamada à resistência contra a barbárie nazista. E quando um poeta britânico como Keith Douglas luta na Segunda Guerra, na qual morreria em junho de 1944, é desde o início sem as vanglórias de um Rupert Brooke.
A literatura do período no Brasil
O Brasil, inicialmente neutro, só declarou guerra ao Império Alemão em outubro de 1917, após navios brasileiros serem afundados por submarinos alemães. O país, no entanto, não produziu literatura diretamente associada ao conflito.
Envolta em crises políticas e econômicas, a guerra ocorre exatamente durante o mandato do presidente Venceslau Brás. Naquele momento, o establishment literário do país era comandado pelos parnasianos e outros beletristas, como Coelho Neto.
Era no subterrâneo das letras nacionais que a melhor literatura da época era produzida, voltada para as violências internas. Era o tempo da grande prosa de Lima Barreto, satirizando a veleidades nacionalistas em Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915) e Os Bruzundangas (1922), ou escrevendo dos porões sob os pés da sociedade rica e branca brasileira, como no incrível Cemitério dos Vivos, publicado décadas depois de sua morte. Era à sátira que também recorria, à época, o escritor João do Rio.
Um dos paralelos mais interessantes entre a literatura brasileira e a alemã dá-se neste momento, na obra de Augusto dos Anjos. Seu único livro publicado em vida foi Eu (1912), no mesmo ano em que Gottfried Benn lança seu Morgue. A confluência entre o trabalho de Augusto dos Anjos e o de seus contemporâneos alemães, expressionistas como Benn, Jakob van Hoddis e Georg Heym, é impressionante, como se fossem membros do mesmo movimento separados pelo oceano. Em poemas como Monólogo de uma sombra, Augusto dos Anjos parecia prever, como seus colegas alemães, as catástrofes que logo engoliriam o século.