Banco Mundial e ONU consideram "títulos de refugiados"
14 de outubro de 2015Mais de 60 milhões de pessoas estão atualmente em trânsito pelo mundo, fugindo da pobreza, guerra e perseguições. Diante de tais números, o tema também chamou a atenção da elite financeira. O chefe do Banco Mundial, Jim Yong Kim, descreve a crise de deslocamento como "a maior desde a Segunda Guerra Mundial" e que "continuar assim não é mais uma opção".
Paralelamente à reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI), altos funcionários governamentais se reuniram em Lima, Peru, para discutir as crises mundiais de refugiados.
"Em nosso país temos 1,7 milhão de refugiados, no contexto de uma população de 4 milhões de habitantes", declarou Alain Bifani, diretor-geral do Ministério das Finanças do Líbano, fazendo uma comparação: "É como se toda a população do México se mudasse para os Estados Unidos e fosse viver lá."
Crise subfinanciada
Estados como a Jordânia, Líbano, Turquia ou Iraque dependem sobretudo da ajuda da Organização das Nações Unidas para lidar com a crise. Porém, ainda em setembro, o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur) queixou-se que em muitos países a verba para assistência aos migrantes não é mais suficiente.
O Programa Alimentar Mundial da ONU também acusa falta de recursos e já teve que cancelar a ajuda alimentar para cerca de 330 mil refugiados na Jordânia. Referindo-se ao Líbano, Bifani alertou que "se os refugiados não receberem um melhor auxílio no país, eles vão para outro lugar".
Enquanto isso, a crise de refugiados alcançou as capitais europeias. No fim de setembro, os países do G7 também reagiram. Sob o slogan "Combater as causas da fuga", os líderes das sete nações mais industrializadas do mundo prometeram disponibilizar mais 1,8 bilhão de euros em recursos.
"Naturalmente, a vontade política de mudar algo no nível mundial é maior, agora que os países industrializados foram atingidos", aponta Benjamin Schraven, pesquisador de migração no Centro Alemão de Política de Desenvolvimento (DIE).
Dois pilares do plano
Agora o Banco Mundial reagiu, apresentando as primeiras propostas de solução no último fim de semana, em conjunto com a ONU. A instituição bancária pretende recorrer a novas formas de financiamento a fim de acumular mais capital para a melhoria da situação dos refugiados.
A estratégia se baseia em dois pilares: em primeiro lugar, as nações industriais deverão disponibilizar mais verbas para os países que acolhem um número especialmente grande de refugiados. Em segundo lugar, uma novidade: as potências fornecem garantias financeiras, que o Banco Mundial e Banco Islâmico de Desenvolvimento converterão em títulos de crédito especiais.
As verbas assim canalizadas serão direcionadas para as regiões em crise. "Nós temos que começar a investir agora num novo futuro para o Oriente Médio e o Norte da África", afirma Kim, chefe do Banco Mundial. Os apelidados "títulos de refugiados" incluem também produtos financeiros que estejam em conformidade com a lei islâmica – ou seja, que rendem juros diretos.
"Mão invisível" do mercado livre
Até agora não se sabe exatamente a forma exata desses títulos. Eva Youkhana, especialista em migração do Centro de Pesquisa de Desenvolvimento (ZEF, na sigla alemã), vê a ideia com ceticismo. "Essa é certamente uma ferramenta para disponibilizar verbas rapidamente. Mas não estou muito segura de que a 'mão invisível' do mercado livre seja adequada para reagir a crises humanitárias."
Um grupo de trabalho estuda as propostas até fevereiro de 2016. No momento, a intenção é que esse capital esteja vinculado a determinados projetos de reconstrução ou para a melhoria das condições de vida dos refugiados.
Ainda não está claro quem poderá emitir e comprar os títulos. "Não se deve incentivar a especulação com esses bônus. Isso seria muito ousado, nesse contexto de carência humanitária", adverte Youkhana.
A especialista do ZEF opina que os créditos – ou seja, as atribuições reais de dívida – podem representar uma pressão excessiva para os países se, por exemplo, a carga de juros não puder mais ser saldada. "Enquanto não estiver claro sob que condições o produto financeiro será colocado no mercado e quem estará envolvido, tudo está me parecendo muito pouco refletido."
Abordagem global
Benjamin Schraven, do DIE, não acredita que, no final das contas, instrumentos financeiros serão efetivamente usados para a situação dos refugiados. Isso mostra que o atual – e ainda vago – plano do Banco Mundial também deverá seguir contando com subsídios diretos e não se orientar somente no poder do mercado.
Para o especialista, as reflexões em Lima sã,o sobretudo, um sinal de que cada vez mais a questão dos refugiados é vista e abordada de forma global.
"Com muita vontade, pode-se reconhecer os primeiros sinais de um raciocínio no sentido de um Plano Marshall para a crise global de refugiados", diz Schraven. Contudo ainda é cedo demais para julgar o que vai acontecer. Antes, as propostas precisam assumir formas muito mais concretas, aconselha o pesquisador.