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Polícia reflete violência inerente à estrutura social

Clarissa Neher17 de junho de 2013

Violência contra manifestantes não ocorre por despreparo da polícia brasileira – ela é um reflexo de uma sociedade que aceita o uso de meios violentos na repressão policial, opinam sociólogos.

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Foto: picture-alliance/dpa

Especialistas ouvidos pela DW Brasil afirmam que o uso da violência por parte da polícia brasileira – como na repressão aos recentes protestos em São Paulo – não se deve à falta de treinamento, mas à maneira como a manutenção da ordem e o uso da violência são percebidos pela sociedade brasileira.

Ao acompanhar manifestações, a polícia possuiu duas funções: respeitar o direito dos manifestantes de protestar e, ao mesmo tempo, impedir que atos ilícitos e de destruição do patrimônio sejam cometidos. A concentração de um grande número de pessoas pode dificultar essas tarefas.

"O controle de multidão tem que ser feito com muito jeito. No caso brasileiro, temos uma polícia militar que é muito violenta e truculenta, e é claro que esse padrão também aparece na repressão a manifestações. Foi exatamente o que vimos em São Paulo", afirma o sociólogo Pedro Rodolfo Bodê de Moraes, da Universidade Federal do Paraná.

Para os especialistas, a polícia recebe o treinamento adequado, mas age de maneira violenta por questões relacionadas aos valores da sociedade brasileira, que aceita o uso da violência na repressão policial, e também por esquecer sua função de proteger o cidadão.

Proteste in Sao Paolo Fahrpreise Öffentlicher Nahverkehr
Polícia agiu com violência contra manifestantesFoto: Nelson Almeida/AFP/Getty Images

"Se a polícia não entende o seu lugar e papel na sociedade democrática de Direito, não há treinamento que resolva", diz a socióloga Haydée Glória Cruz Caruso, da Universidade de Brasília (UnB).

Segundo Moraes, essa violência é um resquício da escravidão. "A base da estrutura da violência brasileira ainda é a da dupla latifúndio e escravidão, não é à toa que as populações negras no Brasil ocupam os piores lugares nas estatísticas de indicadores sociais. Isso mostra que aquilo que se iniciou lá no processo de escravidão não foi resolvido. A democracia e a justiça social não atingiram igualmente a todos os brasileiros", diz.

Para o pesquisador, com o passar o anos essa estrutura foi se perpetuando dentro da sociedade brasileira. "Para que se mantivesse essa estrutura de privilégios para alguns, houve uma forte militarização. A presença militar como uma força política no caso brasileiro e da América Latina, em geral, é muito forte", afirma Moraes.

O conceito de ordem

Segundo a Constituição, a polícia militar no Brasil tem as funções de preservar a ordem pública e fazer policiamento ostensivo, ou seja, coibir o crime por meio de sua presença e, nesse contexto, reprimir as violações no momento em que acontecem.

O entendimento do conceito de ordem na sociedade brasileira é um dos fatores que levam às repressões violentas de manifestações e ao preconceito contra os manifestantes, dizem os especialistas. "No Brasil, a noção de ordem é não se manifestar e não exigir direitos. O contrário é visto quase sempre como baderna, ou seja, é como se manifestações políticas e sociais fossem um crime", diz Moraes.

Para Caruso, que é pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança da UnB, a maneira como a sociedade brasileira percebe a ideia de conflito – como a ausência de harmonia – também contribui para a violência policial.

"É como se a polícia vivesse um dilema institucional, no sentido que ela entende que precisa se modernizar e estar mais próxima dos cidadãos. Mas quando está diante de uma situação particular, não consegue implementar isso. A questão é muito mais estrutural, pois a sociedade reproduz uma série de discursos impregnados de preconceitos", diz Caruso.

Estrutura arcaica

Protest in Brasilien Sao Paulo gegen höhere Fahrpreise im öffentlichen Verkehr
Protestos são necessários para mudanças na sociedadeFoto: picture-alliance/AP

Apesar das mudanças que a polícia vêm realizando em termos de formação e também na tentativa de aproximação com a população, resquícios de estruturas autoritárias anteriores até mesmo à ditadura militar ainda estão presentes nessa corporação, avalia Moraes, que faz parte da Comissão da Verdade do Paraná.

"A polícia brasileira sempre serviu muito mais para a manutenção de privilégios e para a repressão pura e simples dos mais pobres, em vez de garantir a ordem pública, fundada num conceito de respeito ao cidadão e de proteção aos mais fracos. Na prática, ela continua atuando como se fosse uma polícia de repressão aos movimentos e aos pobres, como se fosse a polícia da ditadura", argumenta.

Moraes aponta como solução para a redução da violência a mobilização da sociedade para exigir mudanças, além da desmilitarização e reestruturação da polícia no Brasil. "Após a ditadura, não houve mudança estrutural alguma na instituição, que continuou sendo o que sempre foi durante esse período. É necessário investir em desmilitarização e fortemente na unificação das polícias civil e militar", afirma.